sábado, 22 de novembro de 2014

São Juízes, mas não são Deuses.

Dois Episódios e Uma Reflexão

Wadih Damous

Até os Césares da Roma antiga pediam aos escravos para lembrá-los que não eram deuses


Episódio 1.

A OAB federal encaminhou ao STF em setembro de 2011 a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) de número 4.650, pedindo a proibição de financiamento e partidos políticos e de campanhas eleitorais por empresas. Seis dos 11 ministros votaram a favor, o que já garante a aprovação do pleito. No entanto, em abril o ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo e não o devolveu. Já lá se vão 8 meses. Com isso, impediu que a votação se completasse e o dispositivo já entrasse em vigor nas eleições deste ano.

O Regimento Interno do Supremo fixa o limite de duas sessões ordinárias para que os processos requisitados pelos ministros para vistas sejam devolvidos. Desde abril já houve dezenas de sessões.

Mas Gilmar continua com o processo, impedindo que a votação se complete.

Isso não se justifica.

Episódio 2.

Como fartamente noticiado, o juiz João Carlos de Souza Corrêa foi parado numa Operação Lei Seca dirigindo um carro sem placas, sem documentos e com a carteira de habilitação vencida. Uma só dessas infrações já teria como consequência a apreensão do veículo. Mas João Carlos identificou-se como juiz (o que não se justifica, porque ele ali era um cidadão comum) e exigiu privilégios. Quando a agente de trânsito Luciana Tamborini afirmou que ele era juiz, mas não era Deus, o meritíssimo deu-lhe voz de prisão, por desacato à autoridade.

Ora, desacato à autoridade existe quando o suposto desacatado está no exercício da função. Não era o caso. Depois, o juiz resolveu relaxar a ordem de prisão, mas a processou.

Luciana foi condenada em primeira instância a pagar uma indenização de R$ 5 mil reais ao magistrado supostamente ofendido. E, na semana passada, por escandaloso que pareça, os desembargadores da 14ª Câmara Cível confirmaram a sentença.

Dada a divulgação do fato, surgiram outras histórias sobre o juiz João Carlos.

De acordo com o noticiário, ele insistiu em fazer compras no free shopping de um transatlântico que aportara em Búzios levando turistas estrangeiros, apesar de informado pelo comandante que a legislação restringia esse direito aos passageiros do navio. Alegou que era juiz e mobilizou até a Polícia Federal.

Ele tinha tido problemas com a Polícia Rodoviária Federal, por trafegar em excesso de velocidade e usar um giroscópio em seu carro particular, o que é vedado. Alegou que era juiz.

Ele se envolveu em decisões polêmicas em Búzios relacionadas com registros imobiliários em Búzios – aliás, anuladas semana passada. Na ocasião, em 2004, chegou a haver uma passeata de moradores pedindo a sua transferência da cidade.

Diante da repercussão do caso da carteirada na Operação lei Seca, a Associação de Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj) veio em defesa do juiz. Afirmou, em nota, que "há uma campanha contra os melhores magistrados do Brasil".

A Associação dos Magistrados Brasileiros se somou a esse comportamento e emitiu nota de repúdio a uma campanha nacional para denunciar abusos de magistrados que desrespeitam a Constituição, anunciada no mesmo dia pela OAB. Para a associação, a campanha teria o objetivo de prejudicar a imagem da magistratura brasileira. E conclama a OAB a "associar-se à magistratura na luta pela aprovação de leis mais modernas".

Diga-se, primeiro, que a OAB/RJ não preconiza "linchamento moral" de quem quer que seja. O problema é que, muitas vezes, as entidades de representação dos juízes não admitem críticas aos seus representados.

Quanto à "luta pela aprovação de leis mais modernas" é de se presumir que a AMB não esteja se referindo a recentes decisões como auxílio moradia, auxílio educação e outras vantagens que elevam os vencimentos dos magistrados para acima do teto constitucional.

Uma reflexão.

O Judiciário é da maior importância para o país. A ninguém interessa vê-lo vilipendiado ou desmoralizado. Mas, para que seja respeitado, tem que se fazer respeitar.

E, para isso, não pode se deixar levar pelo corporativismo quando instado a avaliar o comportamento dos juízes.

Até porque eles são juízes, mas não são deuses.

Aliás, até os Césares da Roma antiga designavam escravos para que os lembrassem disso todos os dias

Brasil 247

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