quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Camargo Corrêa, ditadura e outros partidos


Caco Schmitt (*)

Se a gente prestar bem atenção ao noticiário da grande imprensa sobre o "escândalo" da Petrobras, a Sétima etapa da Operação Lava Jato, parece que o Grupo Camargo Corrêa é novato em matéria de corrupção. Ele e todas empreiteiras envolvidas. E parece também que na Petrobras está o único caso de denúncia de corrupção envolvendo serviço público, na história do Brasil. Então, vamos recuar no tempo pra refrescar a memória.

A Camargo Corrêa foi criada em 1939 como uma simples construtora. Fez grandes obras para a ditadura militar em várias regiões do Brasil. Ouvi seu nome pela primeira vez na Amazônia, nos anos 1970. Ela participou da tentativa dos militares de construir a Perimetral Norte (BR-210), em1973. Rodovia que cortaria a calha norte do Rio Amazonas, paralela ao rio, do Amapá até a divisa com a Colômbia.

Quem pagou foram os índios Yanomami, especialmente a aldeia Xikawa, localizada no limite leste do Território Yanomami. Eles viviam em relativo isolamento e sofreram com o contato com os trabalhadores da Camargo Corrêa. Epidemias de gripe e sarampo dizimaram 80% da população da região. Depois, vieram o alcoolismo, a prostituição, a mendicância e, por fim, a desestruturação social – com aldeias inteiras reduzidas a pequenos grupos vivendo à margem da estrada inacabada - obra da dobradinha ditadura militar & Camargo Corrêa.

A Camargo Corrêa cresceu e se tornou um poderoso grupo como toda construtora da época, a Andrade Gutierrez, Mendes Jr. etc.: fazendo grandes obras para governos da ditadura militar, que afetaram negativamente a vida de índios, posseiros, agricultores, garimpeiros, o meio ambiente. Num tempo em que denunciar era impossível ou resultava em prisão e tortura. Não havia facebook, nem liberdade.

Hoje, o site oficial da empresa afirma que "o Grupo Camargo Corrêa é uma das maiores organizações empresariais privadas do Brasil. Administrado pela holding Camargo Corrêa S.A., de capital fechado e controle familiar, originou-se de uma pequena empresa de engenharia e construção, fundada em 1939 com um escritório no centro da cidade de São Paulo. Hoje, o Grupo atua nos setores de cimento, concessões de transporte, engenharia e construção, vestuário e calçados, incorporação e naval".


Não é de hoje a existência de denúncias de suborno, propina, cartel para "organizar" concorrências, licitações de obras. Por trás de uma grande obra da Camargo Corrêa (e das outras empreiteiras), geralmente há denúncias que vêm junto. Nos anos 1970, por exemplo, a polêmica ponte Rio-Niterói foi obra de um consórcio que teve a presença da CC. Muito dinheiro sobrou para vários personagens ditatoriais. Em São Paulo, gueto tucano, existe um mar de obras: o Metrô da capital, no governo de Roberto de Abreu Sodré (1967-71), da Aliança Renovadora Nacional (ARENA); depois no governo de Laudo Natel (1971-75), também da ARENA.


A Camargo Corrêa fez a Rodovia dos Imigrantes, de São Paulo a Santos. E em 1976, a Rodovia dos Bandeirantes, no governo Paulo Egydio Martins (1975-79), também da ARENA - partido que se dividiu com a abertura política e gerou o PDS, que acabou no PP; e o PFL que acabou no DEM.


A partir de 1975, no governo do general-ditador Ernesto Geisel (1974-79), a Camargo Corrêa entrou na construção das mega hidrelétricas de Tucuruí, no Pará, e Itaipu.


Em 1980, fez a construção do o Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, no governo Paulo Salim Maluf (1979-82), então filiado à ARENA. Em 1987, a Camargo Corrêa começou o anel viário de São Paulo, no governo Orestes Quércia (1987-91), do PMDB, e, em 88, o túnel Jânio Quadros.


Nos anos 1990, sob comando de Joaquim Roriz, PMDB, a Camargo Corrêa alçou voo para o Distrito Federal e construiu o aeroporto de Brasília e o metrô, outro escândalo.


Com Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, na presidência (1995-2002), a Camargo Corrêa seguiu tocando grandes obras. A partir de 1997, o grandioso gasoduto Brasil-Bolívia, da Petrobras, e a usina de Angra dos Reis. Em 2001, a Camargo Corrêa fez refinaria de Paulínea em São Paulo, também da Petrobras.


Em 2004, sempre em São Paulo, tocou a linha 4 do metrô de São Paulo, no governo Geraldo Alkmin, PSDB, (2003/2006), e o Rodoanel Mario Covas, em 2006.


Em 2007, a Camargo Corrêa faz obras em outro ninho tucano, na cidade administrativa do governo de Minas Gerais, o palácio do governo. Aécio Neves, PSDB, governou Minas de 2003 a 2010.


Então, governos da ditadura militar, do PMDB e PSDB têm muitas obras com a Camargo Corrêa, que possui uma histórica tradição de se envolver em polêmicas de suborno e propinas. Mas nunca houve nada, certo? Errado. Em março de 2009, a Polícia Federal deflagrou a Operação Castelo de Areia que investigou indícios de crimes financeiros praticados pela construtora. As investigações da PF apontaram para doações ilegais a sete partidos: PSDB, PPS,PSB, PDT, DEM, PP e o PMDB do Pará. É só olhar no Google pra ver que o Ministério Público Federal indiciou Fernando Botelho, vice-presidente da empresa e mais dois diretores do grupo por crime de corrupção, fraude, falsidade ideológica, sonegação, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.


É só olhar no Google pra ver que em janeiro de 2010, a Justiça autorizou a Polícia

Federal a abrir 19 inquéritos para apurar atos de corrupção ativa e passiva envolvendo o grupo, órgãos, agentes públicos e obras, dentre as quais o Rodoanel Mário Covas e a Linha 4 do Metrô de São Paulo, do governo do PSDB.


Será que agora a Polícia Federal, o Ministério Público, a Justiça vão retomar esses escândalos abafados?


Será que vão a fundo na Mendes Jr., mineira como Aécio Neves, que também participou da construção de Itaipu, da ponte Rio-Niterói, da Transamazônica, do metrô de São Paulo e foi pioneira em offshore em 1976, construindo plataformas para a Petrobras quando o presidente da república era o ditador Ernesto Geisel (1974-79). E, a partir de 1990, fez vários trabalhos pra Petrobras, entre eles o gasoduto Brasil-Bolívia do Fernando Henrique Cardoso, PSDB.


Será que vão a fundo na OAS -- baiana como o clã dos democratas ACMs -- que surgiu em 1976 e entrou na petroquímica a partir de 1986, no governo do último ditador João Batista Figueiredo (1979-85).


Vão falar da Andrade & Gutierrez, também mineira, fundada em 1948, hoje a segunda construtora brasileira e uma das maiores do mundo? Empresa que a partir dos anos 90, diversificou os negócios e entrou nas áreas de concessões públicas e telecomunicações, aproveitando a onda das privatizações iniciadas pelo governo Fernando Collor (1990-92), do PRN, e seguida por Fernando Henrique Cardoso, PSDB. E hoje tem projetos em hidrelétricas, termoelétricas, usinas nucleares, petroquímicas, mineração, siderúrgicas, refinarias, portos, metrôs, saneamento e urbanização, aeroportos, ferrovias, construção civil. No Brasil, a unidade de negócios Industrial conquistou a primeira obra, a Refinaria Duque de Caxias (Reduc) e iniciou uma parceria com a Petrobras.


No governo do mineiro Itamar Franco (1992-95) iniciou a sua atuação na área de telecomunicações, através da criação da AG Telecom, em 1993. Em 1998, a empresa venceu o leilão de privatização do Sistema Telebrás e integrou a operação da Telemar. Depois, veio a Contax, uma das três maiores empresas de "contact center" do mundo.


E foi longe, entrou na área de concessões e hoje é a maior controladora de rodovias sob concessão da América Latina. Por meio da CCR, está entre os maiores grupos do mundo em concessão de infraestrutura. No setor de Transporte e Logística, possui atuação nos segmentos de concessão de rodovias, mobilidade urbana e serviços. A CCR detém hoje participação nas concessionárias Barcas S.A., RodoNorte, ViaQuatro, STP, Controlar e Transolímpica. Além disso, é detentora das concessões das rodovias Ponte Rio Niterói, Nova Dutra, ViaLagos, AutoBan, RodoAnel. Ou seja: recebe para construir e depois segue cobrando pedágio... Por que será que a grande imprensa defende tanto as concessionárias?


Pra concluir: o que aparece nas delações premiadas da Lava Jato não são apenas empreiteiras que subornam e financiam campanhas eleitorais e compram burocratas para conseguirem obras. Lembrando que seis delas estão entre os maiores doadores da campanha presidencial de Aécio Neves. São grandes oligopólios com ramificações poderosas e relações estreitas com os subterrâneos da política desde os tristes tempos da ditadura militar. Se quiserem ir a fundo, terão que descer aos porões mais escusos da história recente do Brasil.


(*) Jornalista

Carta Maior


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...