terça-feira, 22 de julho de 2014

Marcelo Cerqueira: Mais Respeito à Democracia


Um dos grandes defensores das liberdades políticas durante a ditadura afirma: prisões de ativistas ferem cláusula pétrea do Estado de Direito. Ministério da Justiça continua conivente

Por Marcelo Cerqueira

Vejo-me como no passado quando certas teorias do mau direito informavam, então, as sucessivas leis de segurança nacional: a posterior mais grave que a anterior.

O conceito de conspiração do Código de Mussolini é que animava perseguidores de então. Antigamente, dizia-se que o alemães criavam as leis, os italianos as copiavam, os franceses as comparavam e os espanhóis as traduziam. Assim, os portugueses. Leia-se parte do art. 179 do anoso Código Penal Português: “Aqueles que sem atentarem contra a segurança interior do Estado, se ajuntarem em motim ou tumulto…” O elemento material do tipo descrito é “ajuntar-se naquele motim”, “conjurar para aquele motim”.



Marcelo Cerqueira: “juízes decidem por induções e presunções e contaminam suas decisões por premissas ‘morais’ e preconceituosas; a hipótese substitui os fatos e impede a ampla defesa”

Copiando o Código Penal de Rocco (1930, na ascensão do fascismo na Itália), os autores das leis de segurança nacional da ditadura militar ampliaram os tipos penais: a conspiração, que no direito brasileiro ganharia o nome de “formação de quadrilha ou bando”, era o crime que se praticava contra o Estado, então reduzido a miserável ditadura.

O que vem me causando perplexidade e mal-estar é ver que esses conceitos fascistas foram, em parte, assimilados em pleno Estado de Direito, na vigência da mais avançada Constituição do mundo no que diz respeito aos direitos fundamentais. As acusações abusam do tipo penal “crime de quadrilha” para indiciar ou denunciar cidadãos quando não encontram para eles um efetivo tipo penal descrito nas leis.

O crime de quadrilha ou bando, abrigado no art. 288 do Código Penal na parte que trata dos “Crimes contra a paz pública”, pune a associação “de mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes”. Esse tipo penal é uma exceção à dogmática do Direito Penal quando admite que um “ato preparatório” constitui-se em crime autônomo.

A doutrina e a jurisprudência são unânimes em afirmar não existir quadrilha se os componentes (quatro ou mais) não são unânimes em afirmar não existir quadrilha se os componentes (quatro ou mais) não são sempre os mesmos.

Com tristeza, tenho verificado que, à falta de uma acusação específica, a polícia e o Ministério Público têm indiciado ou denunciado cidadãos que rigorosamente não praticaram concretamente qualquer delito punível. Mais grave é que magistrados “autorizam” os pedidos de prisão em bloco e, pelo que se sabe (processos correm em segredo de justiça [sic]), as “provas” são fabricadas pela polícia e o MP e os juízes, sempre apressados, não as examinam. O trabalho dos advogados é tolhido pelo arbítrio da “justiça”.

O que se observa é que os juízes decidem por induções e presunções e contaminam suas decisões por premissas “morais” e preconceituosas; a hipótese substitui os fatos e impede a ampla defesa. A presunção de inocência é cláusula pétrea do constitucionalismo.

Mais cuidado com o Direito dos cidadãos, mais respeito à democracia tão duramente reconquistada.


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