domingo, 8 de abril de 2012

Humilhação ou a antipolítica




A filósofa Marcia Tiburi afirma que a política é uma instituição que administra a nossa humilhação




A verdade da antipolítica de nossos dias é a humilhação. O verbo transitivo implica a ação ativa ou passiva de alguém: ou se humilha ou se é humilhado. Na origem, humilhar significa rebaixar e abater, desdenhar e submeter. O menosprezo, a desvalorização de alguém estão em seu cerne. Não se humilha um objeto, apenas um sujeito ‑ uma pessoa, um grupo, um povo ‑, que, no ato da humilhação, é “assujeitado”, ou seja, destituído de si, dessubjetivado.

Podemos dizer com tranquilidade que a política de nosso tempo não é mais política porque, em vez de ser laço em que as relações entre indivíduos e instituições são valorizadas constituindo a ação capaz de dar sustentabilidade à sociedade, se transformou no gesto de negar o outro, o gesto antipolítico por excelência.

Mas que tipo de negação é a humilhação? O desprezo, o esquecimento ou a negligência que conhecemos tão bem fazem parte da estratégia geral da humilhação que constitui a antipolítica.



Contudo, o que caracteriza a humilhação elevada a ação antipolítica é uma pragmática bem simples: a pressão geral das instituições para que os cidadãos desacreditem deles mesmos e da própria coisa pública que os define como tais.

Contribuem para isso todas as instituições fundadas no poder e a grande maioria dos indivíduos que dela participam: a arma é discursiva e prática.

Assim, igrejas, numa tática antiga, convidam à humilhação por meio de uma moral invertida, em que se tenta provar que o ruim é, na verdade, bom.

Mais modernos, os meios de comunicação humilham a inteligência e a sensibilidade das pessoas com uma programação desrespeitosa, desde a propaganda para crianças até reality shows que brincam com a primitividade intelectual de quem assiste a eles, forçando-os a acreditar que não apenas desejam mas também merecem o que recebem.

O governo, por sua vez, é a prática da humilhação em seu sentido mais definitivo. Quando um povo elege um imbecil para um cargo político, ele prova o triunfo do sistema da humilhação no qual a ignorância e a esperteza dos agentes já não se diferenciam.

Resistência

Como ato que se dá entre sujeitos, a humilhação implica sempre um afeto. Somente a personalidade autoritária é capaz de humilhar. Humilhado é aquele que não pode corresponder com a mesma violência.

A humilhação vale para indivíduos, mas marca o caráter das instituições. Espinosa disse em seu Tratado Teológico-Político que governantes e sacerdotes precisam da tristeza de seus súditos.

Se aquele filósofo pode dizer que somos formados por duas espécies de afetos, a alegria que leva à potência de agir e a tristeza que leva à impotência da ação, podemos hoje desconfiar de que as atitudes políticas prototípicas de nosso tempo pretendem a paralisia do povo. Que a depressão seja uma epidemia mental em nosso tempo explica a inação como seu correspondente ético-político em um sentido negativo.

Toda a experiência humana é marcada por afetos. Nietzsche entendeu que a razão poderia ser o mais potente dos afetos, o que significa que nos enganamos ao pensar na frieza da razão, que, em seu imo, move o mundo apaixonadamente.

Inspirados em Nietzsche, podemos dizer que a política é a instituição que administra o mais impotente dos afetos, a humilhação. Sair da humilhação implica um grande esforço de resistência, implica entender racionalmente a estrutura que humilha para desmontá-la passo a passo.

O primeiro deles surgirá no momento em que compreendermos o que o escritor F. S. Fitzgerald quer dizer quando, ao refletir sobre o colapso e a necessidade de um combate contra o irremediável da vida, faz listas “das vezes em que me deixei maltratar por pessoas que não eram melhores que eu em caráter ou capacidade”.

Só a velha consciência de si, como consciência do valor próprio de cada um, é capaz de frear o trem do destino infeliz dos humilhados. A ação que surge daí nega toda subserviência.

marciatiburi@revistacult.com.br

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