quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Tiririca e a crueldade contra analfabetos



Paulo Moreira Leite

Como tantas pessoas, fiquei surpreso e envergonhado com a votação imensa recebida pelo palhaço Tiririca.

A constatação de que esse voto de protesto foi instrumentalizado para garantir, de contrabando, o retorno de parlamentares que não tinham condição de exibir a própria face diante do eleitorado é ainda mais constrangedora.

Mas não sei se Tiririca deve perder seu mandato e acho que seu caso diz respeito aos direitos fundamentais de cada cidadão.

O repórter Vitor Ferreira, da Época, está de parabéns pela descoberta de que Tiririca cometeu uma ilegalidade.

A lei é clara: os analfabetos estão autorizados a votar. Mas não estão autorizados a exercer cargos eletivos. Logo, Tiririca não deveria ser candidato. Se foi, deve perder o mandato. Azar de 1,3 milhão de eleitores.

Já ouço alguém dizendo: eles que escolham um candidato melhor da próxima vez!
A questão não é simples assim e envolve um debate muito mais amplo que o destino de um palhaço oportunista mobilizado por políticos sem escrúpulos.

As discussões mais nobres, muitas vezes, ocorrem a partir de personagens que nem sempre estão à altura dos dramas que representam. O debate contra tortura de presos envolve pessoas capazes de atos que podem provocar repugnância, concorda?

Este caso é semelhante.

A lei que exclui os analfabetos dos postos eletivos parece ter a melhor das intenções — reservar a esfera pública para pessoas com um mínimo de preparo — mas é uma forma de exclusão política contra cidadãos que merecem acima de tudo solidariedade e compaixão. Enfrentam uma crueldade maior, que é o acesso à leitura e à escrita.

A aprovação desta regra pelos parlamentares foi um erro. Ela conserva um tratamanto discriminatório contra pessoas que já são prejudicadas em sua existência cotidiana por não saber ler nem escrever. Não só não tiveram uma escola — ou nem tiveram uma família para garantir que estudassem — mas hoje enfrentam dificuldades infinitas para se virar num universo de códigos, letras e números. Imagine quantos oportunistas não tiram proveito de quem não sabe ler nem escrever.

Até 1988, os analfabetos não podiam votar. Conseguiram o direito ao voto. Mas continuam proibidos de serem eleitos. Por que?

Porque se considera que o acesso à leitura e à escrita — até hoje um privilégio em determinados degraus da sociedade — é razão suficiente para diminuir os direitos políticos de uma pessoa. Não é fácil concordar com isso. O que você acha?


Época

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