quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Brasil entra em período de grandes mudanças políticas depois das eleições



Sérgio Abranches

A vitória, esperada, de Dilma Roussef, representa uma transição de grande significado no PT. Pela primeira vez, Lula não estará nem disputando espaço com o governo como oposição, nem governando. O PSDB também viverá grandes mudanças, com o esgotamento do potencial presidencial de seu setor paulista, até agora hegemônico.

A eleição de Dilma Rousseff confirma as expectativas sobre seu favoritismo, mas cria mais incógnitas sobre como será sua presidência, do que clareza a respeito dos rumos de seu governo. Durante a campanha, ela pouco revelou de suas preferências e seus compromissos, em relação à agenda concreta que a espera no Palácio do Planalto. Ela falou de suas convicções sobre que modelo econômico considera mais adequado. Esse modelo tem muito estado e muito subsídio e exigiria um quadro fiscal que não estará disponível. Falou pouco de sua disposição a abortar a crise fiscal que o governo Lula armou, especialmente nos últimos dois anos, com grande expansão do gasto público e endividamento interno.

No seu primeiro pronunciamento ressaltou mais aquelas convicções – de intervenção estatal e regulação – e de uma orientação “para dentro”, do que das ações econômicas concretas que serão exigidas dela pela nova conjuntura. Mas sinalizou suas resistências à ideia de ajuste fiscal.

O mundo e o Brasil estão entrando em um período de stress econômico, político e social, que substitui, ciclicamente, o período de expansão e mobilidade que marcou a última década e beneficiou muito o governo Lula. Dificilmente será assim, no governo Dilma. O principal desafio da nova presidente será definir sua equipe econômica e seus planos para enfrentar esse ciclo mais duro, que pode tomar todo o seu mandato.

A presidente Dilma Roussef enfrentará um grande desafio na gestão desse período de stress econômico doméstico e mundial, que exigirá equilíbrio e capacidade de gestão macro-econômica prudencial. Também terá um portentoso desafio político, para articular e liderar uma coalizão heterogênea, cuja maioria clientelista tem enorme apetite por verbas e cargos. O PMDB nunca esteve em posição tão forte em um governo, como estará no governo Dilma. Esse partido é um condomínio ingovernável de caciques regionais e locais. Michel Temer só conseguiu domá-lo exatamente por causa da expectativa desse poder ampliado. A coalizão da presidente Dilma Rousseff pode dar sinais de rivalidade e competição internas logo na montagem do ministério. Não está claro que ela tenha instinto político suficiente para compensar sua falta de experiência, para lidar com uma coalizão complexa como esta. Também não há, no seu entorno, nenhuma personalidade que tenha capacidade comprovada de articulação parlamentar para apoiá-la. O próprio presidente Lula teve muitas dificuldades de articulação política e parlamentar. A própria crise do mensalão esteve na base dessas dificuldades.

O PSDB, ainda aturdido com a terceira derrota seguida, terá que se repensar integralmente. O partido passou a última década sem idéias consistentes, sem programa claro, sem se caracterizar como alternativa de poder. Tampouco exerceu oposição, principalmente no segundo mandato do presidente Lula, que o manteve partido no córner, imobilizado, com sua acachapante popularidade.

A derrota mostra, entre outras coisas, que candidatos saídos diretamente do sistema político de São Paulo não passam no Nordeste. Serra, nas duas tentativas, e Alckmin, em 2006, sentiram isso na carne. Fernando Henrique passou no Nordeste não apenas por causa do Plano Real, mas também porque construiu uma imagem de político nacional. Saiu do Senado, não do governo do estado de São Paulo, ou da prefeitura paulistana. Além disso, se beneficiou do fato de ser carioca de nascimento e, de família militar, ter morado em várias partes do país.

Essas eleições encerram a hegemonia do grupo paulista fundador do partido. Haverá uma transição de poder, para fora do eixo paulista, mesmo com Alckmin no governo do estado. O novo eixo passará a ser Minas Gerais, com Aécio Neves no Senado e seu sucessor Anastasia no governo do estado. Ele passará por Goiás, com Marconi Perillo, eleito novamente governador, derrotando o PMDB e Lula, e pelo Paraná, com a liderança emergente de Beto Richa, eleito governador no primeiro turno.

A rearticulação do PSDB se fará, principalmente, pelo eixo federativo, onde mostrou força, elegendo 7 governadores. Não é apenas uma mudança regional do eixo do poder. É uma mudança de geração – a segunda geração do partido – de estilo e de visões. É uma transição de poder para uma nova geração e novas forças e uma difusão do poder. O poder, antes concentrado em São Paulo, vai se descentralizar. O PSDB tende a se federalizar. Ainda não está claro o que essa transformação representará para o partido e se definirá um perfil mais combativo de oposição durante a gestão da presidente Dilma Rousseff. Aécio Neves se manifestou antes de José Serra, cumprimentando a presidente eleita e se posicionando como líder da oposição. A transição já está em curso. Ela terá que amadurecer rapidamente, para enfrentar os pleitos presidencial e parlamentares de 2014.

No PT, Dilma Rousseff, embora deva sua presidência ao lulismo, não tem condições de ser sua herdeira efetiva. Até porque, Lula continuará atuando politicamente, como já disse que fará. Lula era maior que o PT. Dilma é menor que o partido e caudatária da popularidade de Lula. Em menos de um ano de governo, sua popularidade já dependerá de seu desempenho como presidente. Como a oposição estará em reorganização e transição de poder, os principais problemas da presidente serão na sua própria coalizão. Primeiro, no seu relacionamento com o PT e o PMDB. Segundo, na administração da relação entre PT e PMDB, que tende a ser competitiva e tensa.

Em síntese, o Brasil inaugura, junto com a nova década do século 21, uma nova fase de sua história política, com Lula ex-presidente – e não está claro ainda o que isso significará – e o poder partidário se transferindo do PSDB paulista, até agora hegemônico, para outras lideranças.

(Envolverde/Ecopolítica)

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