sexta-feira, 28 de abril de 2017

Safatle: Povo Brasileiro decidiu mostrar que existe


Quando é hora de parar

Segundo pesquisa recente feita pela consultoria Ipsos, 92% das brasileiras e brasileiros acreditam que o país está no rumo errado. No entanto, para quem ocupa atualmente o poder, estas pessoas não contam, a opinião delas é irrelevante. Para eles, a maioria absoluta da população brasileira deve ser tratada como crianças que se recusam a tomar "um remédio amargo" que, no entanto, seria necessário. Isto fica ainda mais evidente quando somos obrigados a ouvir alguns "analistas" a dizer que o governo deveria aproveitar a oportunidade de sua alta taxa de rejeição e impopularidade e "fazer as reformas de que o Brasil tanto precisa".



É sintomático que o caráter totalitário de afirmações desta natureza não provoque imediata indignação em alguns. Pois a pressuposição fundamental aqui é que a população seria irracional, incapaz de criar julgamentos a respeito de coisas que lhe concernem imediatamente, como leis de trabalho e Previdência. Por isto, o melhor governo seria aquele que não se preocupa com sua aceitação popular.



Se assim for, melhor definir governos por decreto. Pois essa pressuposição procura legitimar a crença de que não haveria de se ouvir diretamente o povo, pois o povo seria apenas uma somatória de interesses individuais ou de grupos e corporações facilmente manipulável, principalmente em momentos de crise. Caberia ao governo e a seus tecnocratas pensarem no interesse supremo do país e impor um duro processo de sacrifício que nos redimirá ao final.



É desta forma que o governo e os "analistas" que o apoiam a mando do sistema financeiro nacional procuram simplesmente se legitimar contra o povo, operar no interior de uma verdadeira guerra civil simbólica, retirando a existência do povo como sujeito político capaz de decisão. Os "representantes" do povo, de forma sintomática, acreditam saber melhor do que seus representados o que é realmente necessário para eles.



Contra esse tipo de arrogância do poder, a greve geral foi criada. Ela é a mais legítima de todas as manifestações políticas, pois, no seu cerne, está a recusa em se deixar desaparecer. Ela é a maneira profunda que o povo tem de dizer: "Nós existimos". Nós existimos como sujeitos, como os verdadeiros soberanos.



Quando os que ocupam o poder tentam calar a população e seu descontentamento explícito, ela deve então mostrar sua força de destituição. A paralisação da produção e do movimento, os aviões que ficam no solo, os ônibus que não circulam mais, as escolas fechadas, os bancos lacrados são a forma suprema de um poder de dizer "não", o mesmo poder que Maquiavel compreendia como definidor do povo, já que o povo sempre emerge ao dizer que não quer ser oprimido pelos grandes.



A greve geral que ocorre nesta sexta (28) não é a manifestação de força de um partido ou grupo político. Ela faz pouco caso dos embates eleitorais que parecem ser o único interesse real da casta política. Ela é fruto da revolta contra a invisibilidade, contra a inexistência.



Há um poder que quer nos jogar à inexistência para impor melhor um programa que, até agora, foi capaz de mandar de volta, somente nesse ano, 3,6 milhões de pessoas à pobreza, enquanto conseguia conservar intacto os rendimentos e benefícios da elite rentista.



Esse poder quer nos fazer acreditar que é melhor para nós que, no interior de relações trabalhistas, o negociado prevaleça sobre o legislado, mesmo quando o negociado implique perda de direitos garantidos pela CLT.



Ele nos acha suficientemente estúpidos para acreditar haver ganho no fato de a trabalhadora gestante poder, agora, trabalhar em ambiente insalubre, de o empregado poder ser obrigado a ter apenas meia hora de almoço por dia, mesmo se trabalhar 12 horas; ou ainda, de haver ganho na introdução do contrato de jornada intermitente, no qual o trabalhador recebe apenas pelas horas efetivamente trabalhadas, mesmo que seja obrigado a ficar à disposição do empregado por tempo indeterminado.



Ou seja, em um exercício primário de sofistaria, alguns dizem: "como é possível que uma legislação de décadas (no caso, a CLT) possa garantir um mercado de trabalho 'moderno'". Bem, melhor se defender daqueles cujo conceito de 'modernidade' implica retornar às condições de trabalho do século 19. Contra esta regressão social primária, o Brasil irá parar.





Folha

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