quarta-feira, 19 de abril de 2017

Belos Sonhos

'Belos Sonhos' explora relação não resolvida de um personagem com sua mãe. Filme de Marco Bellocchio se inspira na autobiografia do jornalista italiano Massimo Gramellini

Luiz Zanin Oricchio ,

A questão familiar, a política, a psicanálise. A raiva e a ternura. Tudo cabe no sólido cinema de Marco Bellocchio que, aos 77 anos, filma com agilidade de garoto e serenidade de sábio. Belos Sonhos (Fai Bei Sogni), seu mais novo filme, é inspirado no romance autobiográfico de Massimo Gramellini.

No início, estamos em Turim, nos anos 1960. Massimo, o garoto, é torcedor do Torino e muito ligado à jovem mãe. Cabe lembrar que Gramellini é jornalista esportivo e o futebol ocupa na trama lugar privilegiado. Mesmo porque em 1949 o Torino sofreu um acidente aéreo semelhante ao da Chapecoense e na ocasião todos os jogadores morreram. Mas é a mãe quem está no centro e a vemos dar toda a atenção ao filho pequeno. Quando ela desaparece em circunstâncias obscuras, fica a cicatriz da falta. Esta é sentida pelo já maduro Massimo (Valerio Mastandrea), jornalista esportivo de sucesso que, após viagem a Sarajevo, entra em crise existencial e sofre ataques de pânico. A cena que tanto choca o repórter na guerra tem tudo a ver com seu complexo familiar.


Bellocchio trabalha com idas e vindas no tempo. Ora vemos o personagem na infância, ora em sua maturidade problemática. Há um elo entre a criança e o adulto (sempre há), mas este não se estabelece de maneira mecânica, em relações de causa e efeito. O psicanalisado Bellocchio sabe que as sutilezas da mente são muitas e reações paradoxais não são raras. O adulto com relação não resolvida com a mãe estará aberto ao encontro com a médica Elisa, vivida pela francesa Bérénice Bejo.

A turbulência da alma humana, a luta contra si e contra seu meio, tudo se corporifica na figura de Massimo. Se o Bellocchio de 2016 mostra menos exasperação do que o de 1965 (ano da estreia com De Punhos Cerrados), isso não indica acomodação. Apenas objetividade mais serena e portanto mais certeira. Belos Sonhos é filme para ver e rever. E ver de novo.

Estadão


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