sábado, 2 de julho de 2016

As possibilidades da mininarrativa

A mininarrativa (e mais ainda quando adota olhares brincalhões, irônicos, paradoxais, desestruturantes, dessacralizantes) ajuda a romper modos dogmáticos de perceber e valorizar a vida, aguça nossa sensibilidade, estimula a imaginação, facilita o reconhecimento didático das formas mais complexas da escrita. E até é capaz de abrir caminho para obras monumentais, dado que constitui uma opção atrativa e didática que pode nos ajudar a educar nosso gosto pelas histórias, explorando possibilidades que diversifiquem os registros e assumam desafios narrativos de complexidade crescente”, escrevem Stella Maris Poggian e Ricardo Haye, pesquisadores daUniversidade Nacional do Comahue, em artigo publicado por Página/12, 29-06-2016. A tradução é do Cepat.



Eis o artigo.



A nova discursividade social, objeto de estudo da Sociossemiótica ou Teoria dos Discursos Sociais, vê-se altamente condicionada por aspectos macroestruturais. Entre eles podemos mencionar o acelerado ritmo de vida característico da crescente urbanização planetária ou a tendência epocal à fragmentação conceitual na qual, em seu período,Nietzsche já havia percebido e que, atualmente, constitui um traço dominante das mensagens midiáticas. Tudo isso acarreta um impacto significativo sobre nossas práticas culturais, afetadas pela concisão extrema, uma forma de fluidez telegráfica, o minimalismo comunicativo do Twitter, a saturação de mensagens de uma sociedade hipermediada e vocabulários (e inclusive agendas temáticas) reduzidos.



O ecossistema midiático não só espelha esta situação, como também tende a reproduzi-la e contribui para sua produção. Por este motivo, os meios audiovisuais – atualmente em trânsito para a transmedialidade – oferecem um percurso interessante na hora de pensar o miniconto.



O cinema, surgido como espetáculo e fonte de fabulações com George Mélies, inicialmente transmitiu relatos de curta duração. Hoje, assistimos ao retorno das histórias breves, que proliferam no Youtube, realizadas tanto por profissionais como por estudantes ou apaixonados pela narrativa audiovisual.



A rádio, que nasceu como vontade de relato e com o tempo acabou se limitando a práticas cada vez mais alinhadas por intenções informativas ou argumentativas, foi renunciando progressivamente a sua vocação narrativa. Dada sua capacidade imanente para alojar histórias, talvez a mininarrativa constitua um possível começo para sua recuperação narrativa.



A espessura, as inflexões, as sutilezas interpretativas que a palavra alcança em sua versão fônica são fortalecidas com os outros elementos discursivos que conferem forma ao texto como: música, efeitos, silêncios.



A conjunção inteligente e harmônica entre estes ingredientes pode auxiliar na obtenção de relatos em que brevidade e concisão vão de mãos dadas com a alta intensidade expressiva que as miniaturas narrativas requerem.



Na televisão, ainda que o contar histórias goze de melhor saúde, a oferta narrativa se resolve na forma de filmes, seriados, telefilmes ou telenovelas, sem que o relato breve adquira significação fora dos avisos publicitários. Existem, claro, as produções chamadas “vídeo minuto” ou “nanometragens”, mas continuam convocando porções reduzidas de público.



A conexão que postulamos entre minificção e meios de comunicação tem um duplo propósito. Um é o de descoberta: aproximar aos públicos da rádio e televisão a obra de criadores aos quais, de outro modo, talvez nunca cheguem a conhecer e ajudá-los a (re)descobrir o encanto do narrativo. E outro é o da construção: a de uma nova poética que nutra, conceitual e estilisticamente, nossos meios eletrônicos.



Parece existir certo consenso em que a minificção reivindique alguma releitura que nos permita reconhecer melhor suas formas e seu notável grau de polissemia. Se colocamos esta circunstância no dispositivo do livro, esse retorno ao texto constitui um ato volitivo que decide o leitor.



Ao contrário, em suportes como a rádio ou a TV tradicionais, a ocasião não pode ser estabelecida pelas audiências, mas depende de determinações que se adotam na fase de emissão e permanecem alheias ao controle do público.

Deste modo, se o primeiro contato com uma minificção radiofônica ou televisiva marca uma relação com o surpreendente ou inesperado, a possibilidade de retorno a ela nos conecta com uma experiência gratificante.



A emergência de dispositivos que permitem alojar materiais, tanto sonoros como audiovisuais, habilita opções nas quais ouvintes ou telespectadores podem escolher a ocasião e o número de vezes em que realizarão a releitura.



Em qualquer um dos casos, a duração breve destes conteúdos de ficção facilita sua inclusão nas grades de programação respectivas.

Características próprias da minificção tais como a hibridização genérica, o humor, a ironia, a intertextualidade, o caráter lúdico, (a fractalidade) e a metaficção também não resultam alheias às práticas discursivas da rádio e a televisão.

Se de um lado, a familiaridade midiática com estes traços impede que a minificção experimente estranhamentos nestes suportes, a habituação dos públicos a eles contribui para naturalizar seu contato midiático com as miniaturas narrativas.

Em tempos de lampejos textuais e atenções voláteis, a ficção breve pode ser uma alternativa sugestiva para empregar nos meios de comunicação.

A mininarrativa (e mais ainda quando adota olhares brincalhões, irônicos, paradoxais, desestruturantes, dessacralizantes) ajuda a romper modos dogmáticos de perceber e valorizar a vida, aguça nossa sensibilidade, estimula a imaginação, facilita o reconhecimento didático das formas mais complexas da escrita. E até é capaz de abrir caminho para obras monumentais, dado que constitui uma opção atrativa e didática que pode nos ajudar a educar nosso gosto pelas histórias, explorando possibilidades que diversifiquem os registros e assumam desafios narrativos de complexidade crescente.


Unisinos


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