sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Política e Religião


Wadih Damous

É legítimo que igrejas trabalhem para que fiéis sigam preceitos que determinam, mas não é legítimo tentar estendê-los a toda a sociedade

"Amigos, vamos a mais um dia abençoado de vitórias! Com fé em Deus e vocês do meu lado, me sinto revigorado a cada manhã para seguir firme na luta pelo povo. Que Deus nos abençoe e sempre!# Vote 22." Esta frase está na página do Facebook de Anthony Garotinho, candidato do PR ao governo do Estado do Rio.

Um pouco abaixo dele nas pesquisas está o doublé de senador e bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, Marcelo Crivela, cuja maior base eleitoral está nos evangélicos pentecostais e cujo discurso apela, com frequência, para citações bíblicas. Recentemente foi, mais uma vez, criticado por manifestar posições homofóbicas, apoiadas numa leitura literal do Evangelho.

Garotinho e Crivella estão disputando a liderança das pesquisas de opinião no estado. Ainda que, até a eleição, muita água vá passar sob a ponte, têm possibilidades de chegar ao segundo turno.

Na disputa presidencial, aparece em quarto lugar o Pastor Everaldo, numa posição intermediária entre os três candidatos mais fortes - Dilma Roussef, Aécio Neves e Eduardo Campos – e os chamados nanicos. O fato de usar "Pastor" como seu "nome político" deixa clara a intenção de buscar votos nos segmentos evangélicos. Como seu crescimento eleitoral contribui para que haja segundo turno, sua candidatura tem sido incensada por segmentos que querem evitar a hipótese de uma vitória da candidata do PT já em 5 de outubro.

Ora, muitos segmentos religiosos têm expressão no Brasil e é legítimo que candidatos e partidos busquem interlocução com eles. Em tese esse movimento não é condenável. Acontece, porém, que muitas vezes, no afã de agradar as bases evangélicas, os candidatos incorporam o discurso dos pastores – que, em sua maioria, são extremamente conservadores. Então, a busca de interlocução tem como consequência um maior conservadorismo nas propostas dos candidatos e na política em geral..

Já na eleição presidencial passada, em 2010, temas como direitos de gays e aborto foram tratados de forma extremamente conservadora por conta da busca do voto evangélico. Ao longo da campanha, Dilma e José Serra fizeram concessões e passaram a defender posições mais atrasadas do que as que tinham defendido anteriormente, de olho no voto evangélico.

Este ano há um grave risco de que isso se repita, até em grau maior. Haverá não só a pressão dos pastores e bispos reacionários, que, em boa medida, têm o controle dos votos de seus fiéis, mas também a presença de um candidato, o Pastor Everaldo, que vai puxar o debate nesse sentido.

A defesa do Estado laico assume importância e não significa qualquer hostilidade à prática religiosa. Pelo contrário. Só um estado radicalmente laico é capaz de garantir a mais ampla liberdade religiosa. Esta é uma verdade incontestável. Quando se trata de um país, como o Brasil, com enorme diversidade de cultos e religiões, ela é mais importante ainda.

Assim, como temos um Estado laico, deveria ser proibido, por exemplo, que serviços públicos de saúde realizassem atividades religiosas como parte do tratamento oferecido aos pacientes. Hoje não é assim. Clínicas mantidas por igrejas evangélicas exigem que os pacientes participem de atividades religiosas. Já houve, até, denúncias de privação de alimentos para pacientes que não se dispusessem a tal.

Por outro lado, as igrejas – todas elas – devem pagar impostos, como qualquer pessoa ou instituição na sociedade. Não se justifica o privilégio hoje existente. Chegamos a um ponto que prédios religiosos não pagam IPTU e automóveis em nome de igrejas estão isentos do pagamento do IPVA. Por que isso?

Por fim, um alerta. É legítimo que as igrejas trabalhem para que seus fiéis sigam os preceitos que determinam, mas não é legítimo que tentem estendê-los a toda a sociedade.

Que se reflita sobre isso nesta campanha eleitoral.


Brasil 247.com

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