sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

O pesadelo da desigualdade


"Os pobres não conseguem dormir por que têm fome", disse em 1999 o economista nigeriano Sam Aluko, em frase que ficou famosa, "e os ricos não podem dormir porque os pobres estão acordados e famintos". Somos todos afetados por profundas disparidades de renda e riqueza, por que o sistema político e econômico do qual depende nossa prosperidade não pode continuar enriquecendo alguns, enquanto empobrece outros.

Durante tempos difíceis, os pobres perdem a fé em seus líderes e no sistema econômico, e nos bons tempos muito poucos usufruem dos benefícios. O coeficiente de Gini, uma medida de desigualdade econômica, vem subindo há muitos anos, tanto nos países em desenvolvimento como nos desenvolvidos, inclusive nos EUA. Na Europa, as desigualdades têm se intensificado, em consequência do rápido crescimento do desemprego, especialmente entre os jovens. Alguns reagiram por meio de distúrbios nas ruas, outros vêm apoiando partidos políticos de extrema direita xenófobos, muitos mais vêm a situação em silêncio, ficando cada vez mais ressentidos com os políticos e o sistema que eles representam.

O problema é mais gritante nas megacidades do mundo, que representam cerca de 80% do PIB mundial. Porém, mesmo nas cidades mais desenvolvidas, as disparidades são acentuadas. Por exemplo, se viajarmos no metrô londrino a uma distância de apenas seis milhas (ou 14 estações) para o leste, a partir do coração do governo em Westminster, rumo a Canning Town, a expectativa de vida dos habitantes em cada parada sucessiva diminui em seis meses.

Tornou-se crucial os esforços para promover um crescimento mais inclusivo, não apenas por razões morais como também para garantir a sobrevivência do sistema econômico mundial. Isso envolve mais que distribuição da riqueza. Significa incluir as pessoas

Mas a desigualdade é mais aguda nas economias emergentes, onde a urbanização tem sido mais rápida. Em 2030, mais de 2,7 bilhões de pessoas terão migrado para as cidades, nos países em desenvolvimento. Muitos lá encontrarão desespero e exclusão, em vez dos bons empregos e da vida melhor que anseiam.

Megacidades como Bombaim, Nairóbi e Kinshasa são pequenas cidades rodeadas de enormes favelas - bolsões de riqueza em um mar de desespero. Nenhuma lembra metrópoles como Tóquio, Nova York, ou Londres, que, apesar de terem áreas de privação, são notáveis por uma distribuição mais equitativa de riqueza.

Essas disparidades são igualmente evidentes em nível nacional, especialmente em alguns dos países africanos ricos em recursos naturais. Enquanto a demanda por jatos privados cresce explosivamente, 60% da população vive com menos de US$ 1,25 por dia. Enquanto o mundo como um todo esteja ficando mais rico, os benefícios continuam privilegiando esmagadoramente uma pequena elite.

Como resultado, tornaram-se cruciais os esforços para promover um crescimento mais inclusivo, não apenas por razões morais como também para garantir a sobrevivência do sistema econômico mundial. Isso envolve mais que distribuição da riqueza. Significa incluir as pessoas - ou representantes de grupos étnicos, religiosos ou regionais específicos - na tomada de decisões de políticas públicas com o objetivo de dissipar seu sentimento de marginalização ou fracasso perene. Isso significa criar empregos reais para afastar os trabalhadores da economia informal, para que possam beneficiar-se das proteções trabalhistas (e pagar impostos). E isso implica formular políticas apropriadas às condições locais reais.

Cada país tem as suas próprias prioridades específicas e a gama de políticas aplicáveis é bastante ampla. Pode incluir uma rede de seguridade social, estímulo à igualdade de gêneros, apoio a agricultores, melhoria de acesso a serviços financeiros ou inúmeras outras iniciativas.

Mas dois conjuntos primordiais de políticas parecem aplicáveis em quase todos os casos, segundo recente debate no Fórum Econômico Mundial sobre a melhor forma de distribuir a riqueza. O primeiro visa assegurar que as crianças pobres tenham acesso a uma educação razoavelmente boa como um meio para reduzir a pobreza. O segundo conjunto de políticas, que são particularmente relevantes em países ricos em recursos naturais, visa garantir a todos os cidadãos - e especialmente aos mais pobres - uma parte das receitas a partir do que são, sem dúvida, os bens nacionais.

Está comprovado que tais políticas deram certo em países como o Brasil, cujo pioneiro programa "Bolsa Família" promove transferências em dinheiro para famílias pobres sob a condição de que os filhos frequentem escolas, alimentem-se adequadamente e cumpram outros critérios para melhorar o bem-estar. O programa "Oportunidade", no México, cumpre uma função similar. O Alasca, rico em petróleo, paga dividendos de suas receitas oriundas de seus recursos naturais a todos os seus cidadãos, um modelo que vários países em desenvolvimento estão tentando imitar.

Embora os economistas continuem debatendo as vantagens e desvantagens desses sistemas, tais programas não são particularmente complicados de configurar. O desafio reside em forjar parcerias e aprovar metas. Governos, empresas, organizações não governamentais e cada cidadão, rico ou pobre, todos têm um papel a desempenhar. Se ignorarmos os perigos das disparidades de riqueza por muito mais tempo, as consequências serão muito mais angustiante do que algumas noites sem dormir. (Tradução de Sergio Blum)

Donald Kaberuka é presidente do Banco Africano de Desenvolvimento. Copyright: Project Syndicate/World Economic Forum, 2014.

Valor Econômico

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