quinta-feira, 15 de agosto de 2013

No fim da linha ( O Metrô de SP )


Vladimir Safatle

"Se for confirmado cartel, o Estado é vítima." Esta é uma frase que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, pode anexar ao seu compêndio.

Ela poderá vir na mesma página de outra que gosto muito, proferida à ocasião de mais uma ação espetacular de sua polícia: "Quem não reagiu, está vivo". As duas têm em comum a mesma capacidade de tentar, digamos, usar o óbvio para esconder o absurdo.

De que há um cartel comandando a construção do metrô de São Paulo não precisávamos esperar as últimas semanas para desconfiar. O caso Alstom roda nas cortes europeias há anos, com denúncias substantivas contra o governo paulista.

Notícias que davam conta de concorrências forjadas frequentaram as páginas dos jornais mais de uma vez. Devido a elas, o presidente da companhia estadual de metrô chegou a ser afastado pelo Ministério Público por suspeita de fraude em licitações, para em seguida ser reconduzido e, meses depois, pedir demissão.

Com uma lista dessas nas mãos, não era difícil juntar os pontos e perceber que havia indícios extremamente plausíveis de que o Metrô paulistano se tornara um celeiro de propinas para o partido que governa São Paulo há tanto tempo que a maioria até parou de contar.

Não são poucos os paulistas que esperam uma devassa capaz de explicar por que, afinal, o Metrô ultimamente aparece mais nas páginas policiais do que nas páginas dedicadas à inauguração de obras públicas.

De fato, o Estado é vítima em toda essa história, como bem lembrou o governador. Falta perguntar de quem. Pois, ao que tudo indica, o Estado é, neste caso, vítima de seu próprio governo.

É difícil acreditar que um cartel dessa monta passe décadas a operar no Estado sem que seu governo simplesmente não soubesse de nada. Claro que os membros do governos poderão dizer: "Eu não sabia". Já vimos esse filme antes, só que em outro canal.

De toda forma, temos diante de nós um belo instante para recuperar a luta contra a corrupção, para além do udenismo que a colonizou nos últimos tempos.

Até o momento, tentou-se atrelar a indignação popular ao raciocínio seletivo de quem acusa seus inimigos corruptos para proteger seus amigos igualmente corruptos.

Agora que a exigência de uma outra política aparece de maneira ampla, o fastio com a corrupção pode ser uma arma importante para a conscientização da necessidade de uma reinvenção democrática radical.

Neste modelo de democracia que temos, com suas relações incestuosas entre empresariado e classe política, todo inverno termina em um mar de lama.

Folha de SP


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