terça-feira, 21 de setembro de 2010

A ameaça do neo-obscurantismo à ciência



Pesquisadores debatem na Reunião Regional da SBPC no Recôncavo da Bahia as facetas do movimento que se vale da estrutura de poder para fazer frente à razão.

Em junho de 2008, cerca de 100 pessoas ligadas à Via Campesina invadiram e destruíram a Estação Experimental de Cana-de-Açúcar, de Carpina, a cerca de 60 quilômetros do Recife (PE).

Vinculada à Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), a Estação era usada para pesquisas de melhoramento genético da cana-de-açúcar. Sua destruição, feita como um ato de repúdio à monocultura da cana-de-açúcar no estado, interrompeu várias pesquisas em nível de mestrado e doutorado.

O caso foi citado como um dos exemplos das facetas do neo-obscurantismo. O assunto foi discutido em uma mesa-redonda durante a Reunião Regional da SBPC no Recôncavo da Bahia, que termina nesta sexta-feira em Cruz das Almas (BA).

A mesa-redonda, que contou com a participação dos pesquisadores Caio Mário Castro de Castilho, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e Amilcar Baiardi, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), foi moderada pelo diretor da SBPC, José Antonio Aleixo da Silva. Em síntese, mostrou que o neo-obscurantismo continua se valendo da estrutura de poder para fazer frente à razão, porém, está mais complexo e usa novos instrumentos.

Segundo Castilho, no passado o obscurantismo se apresentava como "um estado de espírito refratário à razão e ao progresso" ou como uma "doutrina que não desejava que a instrução penetrasse na população", a exemplo da inquisição da igreja Católica ou do caso que ficou conhecido como "Lysenko", que afirmava ser possível obter novas variedades de trigo, somente alterando as condições da cultura. Essa teoria, que teve forte apoio de Stalin, jogou no lixo a teoria mendeliana na antiga Rússia.

Novos instrumentos

"Tanto num caso como no outro o poder está a serviço do obscurantismo e isso se repete hoje, mas com novos instrumentos", disse Castilho. No caso da ciência, o neo-obscurantismo tem partido, segundo ele, tanto de governos autoritários (com o objetivo de produzir falso conhecimento) como de setores religiosos (imposição de dogmas) e, em alguns casos, até de organizações sociais (ONGs, sindicatos, movimentos sociais) - os chamados fundamentalistas verdes, que associam o progresso técnico com riscos ambientais.

"Partidos políticos, com viés fortemente autoritário, frequentemente tendem a constituir grupos de pressão, quase que tropas de choque, que terminam por patrulhar a atividade de pesquisa e a liberdade de investigação", afirmou ele, citando a questão dos transgênicos no Brasil.

No caso da região, há ainda novas roupagens, como o movimento de Design Inteligente - uma forma moderna de criacionismo, que surgiu no final da década de 1980 nos Estados Unidos.

Para Castilho, no plano individual, hoje a tendência é não negar a razão, mas ignorá-la ou renunciá-la. "O indivíduo especialista torna-se, com frequencia, um ignorante de tudo aquilo que não diretamente diz respeito à sua disciplina ou atividade". Ou no outro extremo: "o não-especialista, que renuncia a toda possibilidade de refletir sobre o mundo, sobre a vida, sobre a sociedade."

Para Amilcar Baiardi, o neo-obscurantismo oferece ameaças específicas à universidade pública no Brasil, como: "pretender transformar a universidade em centros de ensino; condicionar o financiamento à metas estritas de graduação; coibir a liberdade acadêmica; cobrar da universidade resultados para problemas que são de outra esfera; criticar o conhecimento ocidental, o eurocentrismo, sem conhecimento de sua origem; defender nivelamentos de saberes sem refletir sobre a natureza e a possibilidade dos mesmos; ignorar as regras universais de busca da excelência acadêmica; e não fomentar o ensino de línguas estrangeiras e negligenciar o intercâmbio com as melhores universidades do mundo".

Na sua avaliação, devido às várias facetas do neo-obscurantismo, o combate também precisa ser amplo, a começar pelo estudo das causas e as formas do neo-obscurantismo. É necessário também "retomar Galileu no sentido de mostrar a diferença de essência entre ciência e religião", ressaltou. "Mostrar a irracionalidade das ações do neo-inquisitorialismo e neo-luddismo [movimento da Inglaterra de 1811 que condenava a mecanização do trabalho e liderou a depredação de máquinas de uma indústria] presentes no discurso de Bové e dos fundamentalistas verdes."

Nessa empreitada, será preciso também promover a cultura de C&T, mostrando a capacidade da ciência de salvar vidas (vacinas recentes), restaurar a natureza e reduzir a fome, entre outras ações. Ou como afirmou Castilho: "Mostrar que a ciência, ao contrário do dogma, tem a capacidade de desmentir a si mesma", para ajudar a sociedade na sua evolução.

(Assessoria de Imprensa da SBPC)

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