sábado, 19 de janeiro de 2019

Zaidan: A reforma da Previdência

Michel Zaidan Filho

Os direitos previdenciários de todo trabalhador resultam de um contrato atuarial firmado entre ele e o Instituto de Previdência oficial (INSS). Neste contrato, multiplica-se a expectativa de vida útil do trabalhador por uma fração econômica que é dividida entre ele, a empresa e o governo. É o chamado modelo de repartição simples. Cada parte contribui com uma parcela do financiamento da aposentadoria. As fontes da Previdência oficial não se limitam, contudo, a esse tipo de financiamento. Desde 1988, os direitos previdenciários estão colocados dentro de um tripé conhecido como Assistência Social, onde estão também a Saúde e os benefícios de prestação continuada.



Para isto, a Constituição previu várias fontes de financiamento que vem de contribuições, taxas e impostos de natureza parafiscal ou extrafiscal, tais como PIS/COFINS, loterias, contribuição social sobre o lucro das empresas, etc. Nem todos os benefícios têm cobertura de receitas, mas há um entendimento da sociedade, através de uma política de redistribuição de renda, que o tesouro público deve sim financiar o custo desses benefícios, sobretudo quando se trata de incapazes, idosos, arrimos de família, entre outros. Ou seja, a política previdenciária brasileira tem uma natureza redistributiva (não só comutativa) e significa um pacto intergeracional: os trabalhadores mais novos ajudam a financiar a aposentadoria dos mais velhos.







É uma enorme falácia apontar a existência de déficit nas contas da Previdência dos trabalhadores urbanos no Brasil. Ela é superavitária. Ocorre que, através de medida provisória, foi aprovado um contingenciamento de cerca de 30% dessa receita (DRU), transferidos para o orçamento geral da União, que são usados para pagamento da dívida pública e outras obrigações financeiras do governo. Há também um enorme inúmero de inadimplentes que, no caso de grandes empresas, entes públicos, clubes de futebol, bancos e outras instituições, chega a casa dos R$ 400 bilhões. Assim como as isenções e imunidades fiscais que desoneram muitas atividades e agentes econômicos de pagarem à Previdência. Naturalmente, tudo isso pesa muito no caixa da aposentadoria, na hora de financiar os benefícios dos aposentados e dos que estão em abono de permanência.







Mas a principal razão que explica os intermitentes projetos de reforma da Previdência Pública em nosso país tem a ver com o mercado financeiro, as empresas privadas de previdência complementar, criadas pelo governo federal para os funcionários públicos através de emenda constitucional. O que significa isso? – Significa mudar o modelo de contribuição variável e benefícios fixos, para o modelo de contribuição fixa e rendimentos variáveis. Porque, limitando os rendimentos da aposentadoria, o segurado será obrigado a contratar um plano privado de aposentadoria, onde seus rendimentos serão variáveis, em razão da aplicação no mercado financeiro de sua contribuição previdenciária privada.



Ou seja, com tal modelo os governo federal, estaduais e municipais se desoneram do financiamento integral dos proventos previdenciários e entregam aos humores das bolsas de valores a rentabilidade da contribuição dos pensionistas. Imagine que negócio da China: lucram o governo, as empresas de capitalização e os segurados passam a depender do sobe-e-desce do valor das aplicações de suas contribuições no mercado financeiro. Quantos fundos de capitalização já não quebraram, deixando seus segurados a ver navios...







Existe também o argumento injusto e desumano de atribuir à longevidade do povo brasileiro a quebra do sistema previdenciário. Este é o pior motivo para privatizar a previdência social no Brasil. Aqui, começa-se a trabalhar muito cedo e sem carteira assinada. Há também um enorme contingente de trabalhadores autônomos, informais, precários que nem sempre contribuem para a previdência. No entanto, graças ao progresso da medicina, da informação, da melhora das condições sociais de vida, os brasileiros estão vivendo mais e demorando a morrer.



É um privilégio e um direito líquido e certo envelhecer com dignidade, respeito, conforto e amparo financeiro e social. Não se pode condenar as pessoas (que contribuíram ao longo da vida para a Previdência pública) porque vivem demais ou durante muito tempo. É um direito social, humano e geriátrico que lhes assiste. Cortar, diminuir, congelar esses direitos previdenciários dos idosos é uma desumanidade que não tem limite.







Que a sociedade financie esse direito a envelhecer, através de uma política progressiva de impostos ou contribuição. Mormente, daqueles que ganham muito (inclusive com a especulação financeira) para financiar os que ganham menos, ou não ganham nada. Mais ainda, no fim da vida laboral. O contrário disso é condenar à morte lenta milhões e milhões de trabalhadores idosos que deram seu suor, lágrimas e sangue para construir a riqueza deste país.



Brasil 247


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