sexta-feira, 2 de março de 2018

O Novo Torquemada

Rubens Pinto Lyra (*) rubelyra@uol.com.br

O Grande Inquisidor da Espanha, redivivo no atual Ministro da Educação, Mendonça Filho - lídimo representante da fina flor do liberalismo brasileiro (econômico, bem entendido, pois o político de há muito foi para as cucuias) - partiu para o ataque. 

 Apostando no vendaval autoritário que assola parcela influente do Ministério Público e do Judiciário, onde fundamentalistas têm mostrado a que vieram, Mendonça resolveu investir contra um professor de Ciência Política da Universidade de Brasília, Luis Filipe Miguel, por ter organizado um curso de extensão optativo sobre “o golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”. 


 O Ministro do Partido Democratas (?), justamente da pasta a quem compete a defesa da autonomia universitária e a liberdade de cátedra, sequer se deu ao trabalho de designar preposto para assumir o ônus da iniciativa: ele mesmo anunciou que acionará a Advocacia Geral da União , o Tribunal de Contas, a Controladoria Geral da União e o Ministério Público Federal (ufa!) contra a disciplina. Pretende que se “apure improbidade administrativa por parte dos responsáveis por sua criação, por fazer proselitismo político e ideológico de uma corrente política usando uma instituição pública de ensino.” 

 Não pode o ínclito Ministro da Educação, que parece jejuno, em matéria de educação como de democracia, deslembrar-se que a Lei da Mordaça só está em vigor em um Estado da Federação - Alagoas - e que (ainda) não alcançou o âmbito federal. Portanto, não cabe a nenhuma autoridade universitária interferir no conteúdo de disciplina, ainda mais optativa, para censurá-la e determinar como deve ser oferecida a interessados. 


 Como vivemos em tempos bicudos, sob crescente insegurança jurídica, se torna necessário lembrar o óbvio: as liberdades de pensamento e de opinião são os fundamentos em que se assenta a autonomia universitária. Caberia a intervenção da autoridade universitária ou ministerial se ocorresse o contrário: um docente ser proibido de definir o conteúdo de sua disciplina, pouco importando que se parta do pressuposto que houve um golpe branco, ou que a deposição da Presidenta Dilma se deu em plena conformidade com a lei. 

 Todos os democratas têm a obrigação de defender o direito de integrantes da Academia de atuarem de acordo com suas convicções político-ideológicas. O único limite é o respeito à lei: não é lícito o ensino servir de instrumento para mobilizar pessoas ou grupos para a sua violação ou seu descumprimento. 

 Não se pode fazer nenhuma concessão à liberdade de pensamento e de opinião os quais, nas instituições universitárias, têm um nome: liberdade de cátedra. Por isso, o pronunciamento da Justiça sobre a matéria poderá ser decisivo para a democracia. Sentença confirmando a censura, e, ainda mais, condenando o professor Luís Miguel por improbidade administrativa significaria a destruição da liberdade acadêmica e, com ela, a da própria democracia. Várias universidades, aliás, já se solidarizaram com o professor denunciado, assim como as mais destacadas associações cientificas e de pesquisa no país. Além disso, diversos professores se propõem a realizar cursos com as mesmas características, e centenas de alunos a neles se inscrever, inclusive na UFPB. 

 O arbítrio não está a caminho, ele já bate em nossas portas. Não mais sob a forma de autos-da fé, como nos tempos medievais, com torturas e conversões forçadas, mas travestido de processos administrativos e penais descabidos. Os que o ignorarem se tornarão cúmplices desses processos, mas também poderão vir a ser suas vítimas. 

Defendamos o Estado de Direito!



(*) Doutor em Direito Público e Ciência Política

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