quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Para Jorge Hage, falta ao país 'apresentar' corruptos à cadeia

Ministro Hage encampa proposta para que recursos levados ao STF e ao STJ não impeçam a conclusão de um processo

O ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, avisou à presidente Dilma Rousseff que é impossível combater a corrupção sem uma ação conjunta dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Durante a conversa de pouco mais de uma hora, na semana passada, na qual foi convidado para permanecer no cargo, Hage listou à presidente uma série de projetos de lei parados no Congresso - lavagem de dinheiro, enriquecimento ilícito, Lei de Acesso à Informação e conflito de interesses, que precisam ser aprovados para permitir ação mais efetiva nessa área. Defendeu também a revisão do Código de Processo Penal e o fim da possibilidade de protelação de condenações com recursos ao Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ). "Nós vamos trabalhar para isso", prometeu Dilma, segundo Hage.

À frente do ministério desde julho de 2006, Hage disse, em entrevista ao Valor, que o país avançou muito nos últimos anos em ações policiais integradas e investigações mas claudica, nas palavras do próprio ministro, no resultado final do processo - a condenação dos réus. "O que falta ao Brasil é apresentar corruptos à cadeia."

Para ele, um processo mais ágil não significa autoritarismo nem a supressão de direitos, como a chamada "presunção de inocência". Cita, por exemplo, o caso do banqueiro Bernard Madoff condenado a 150 anos de prisão sob a acusação de fraude bancária que causou prejuízos de bilhões de dólares. "A sentença foi dada, em menos de seis meses, por um tribunal de Nova York, não foi sequer pela Suprema Corte Americana. Pelo que me consta, os Estados Unidos são uma democracia e não vivem um Estado policialesco", acrescentou.

O ministro também apoia mudanças na forma de financiamento das campanhas políticas. Ele sugere que, diante das dificuldades em aprovar uma reforma política mais ampla, este ponto seja analisado em separado como mais um mecanismo de combate à corrupção. "O ideal seria financiamento público exclusivo. Se não der, que pelo menos o nome das empresas doadoras seja explicitado já durante a campanha eleitoral, não apenas após o término das eleições."

Pela atual legislação eleitoral, os candidatos são obrigados a prestar, durante a campanha, contas das doações recebidas. Mas em valores, sem especificar o nome dos doadores. Para o ministro da CGU, é preciso radicalizar na transparência dos financiadores. "Um dos requisitos para uma empresa ser incluída no rol daquelas comprometidas com a ética é termos transparência total nas doações eleitorais", reforçou Hage.

Em relação aos projetos em tramitação no Congresso, o ministro pretende, na primeira audiência formal que tiver com a presidente Dilma, apontar o andamento de cada um deles: em que comissão está, qual foi a sua tramitação, quem é o atual relator. "A legislação brasileira nesse setor é uma das mais arcaicas do mundo". Por essa razão, Hage encampa a proposta do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, de impedir que recursos ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça impeçam a conclusão de um processo.

Estabelecendo uma nova comparação com a realidade estrangeira, Hage cita que processos no exterior permitem no máximo dois recursos até que o caso seja "transitado em julgado". No Brasil, o caminho completo permite até cinco recursos.

Após a condenação por um juiz de primeira instância, o réu pode apelar a um tribunal estadual. Se a decisão do tribunal não for por unanimidade, a defesa tem o direito de um novo recurso à mesma Corte.

Vencida esta etapa e mantida a condenação, os advogados podem apresentar um recurso ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal, em casos de questões constitucionais. "Enquanto isso, o réu permanece em liberdade. O que o Peluso propõe e nós concordamos é que o réu tenha o direito, até dois anos após a condenação no tribunal estadual, de recorrer ao STF e ao STJ. Mas enquanto a apelação é analisada pelos tribunais superiores, ele permanece preso e a sentença condenatória não é anulada", explicou Hage.

O ministro da CGU critica também a posição de alguns magistrados que, segundo ele, se fixam em tecnicalidades na hora de julgar um processo e se vangloriam de não ceder ao clamor popular. "O Judiciário deve sim levar em conta a pressão da sociedade. O direito não é algo que exista no vácuo, ele existe no social", afirmou.

Apesar disso, Hage acredita que o Brasil atingiu um novo patamar internacional no combate à corrupção. Prova disso, na avaliação dele, é o fato de o país participar de diversas discussões sobre o tema em variados fóruns internacionais. "Não há um debate que não envolva autoridades brasileiras e esta tendência deve se ampliar em 2011 e 2012", diz.

Ele cita, por exemplo, o fato de o Brasil ter sido convidado para integrar, como membro permanente, o comitê de governança pública da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mesmo sem ser um país membro da organização. O Brasil também tem assento no grupo de trabalho anticorrupção do G-20, no comitê anticorrupção do Fórum Econômico Mundial de Davos e preside um comitê semelhante da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Nos dias 21 e 22 de janeiro, em uma viagem já combinada com Dilma Rousseff, Hage vai à Casa Branca conversar com assessores do presidente americano Barack Obama. Obama quer criar um modelo de governo aberto nos Estados Unidos com possibilidade de extensão para outros países. "Eu ainda não sei exatamente qual é a proposta, mas Dilma já autorizou o início do diálogo", ponderou.

O ministro da CGU afirmou que todas estas ações não têm como objetivo extinguir de vez a corrupção no mundo, algo que ele considera impossível. "A corrupção vai se sofisticando cotidianamente. Tanto que, cada vez mais, as organizações internacionais estão se preocupando com o aumento dos casos, tanto no setor público quanto no privado."

Valor on Line

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