terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Donos do poder não vão largar o osso

Andre Singer

O presidente Michel Temer (PMDB) dá posse ao novo ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, no Palácio de Planalto, em Brasília

Na terça (26), o ministro Carlos Marun declarou : "O governo espera daqueles governadores que têm recursos e financiamentos a serem liberados uma reciprocidade no que tange a questão da Previdência". Criticado no dia seguinte por governadores que entenderam serem arbitrárias e inconstitucionais as ameaças contidas na fala ministerial, o referido membro do gabinete voltou à carga: "A reação (...) só se justifica pela intenção de buscar resultados eleitorais exclusivamente para si".



Por que Temer, em tese sem pretensões para 2018, mandaria Marun comprar briga com chefes regionais em nome de uma reforma impopular no último ano de mandato?



Quem teve a curiosidade de ler o artigo do deputado Jarbas Vasconcelos (MDB-PE) publicado pela Folha na quinta (28) terá encontrado uma descrição tão intrigante quanto o movimento de Marun. Figura histórica do antigo e novo MDB, Vasconcelos acusa o senador Romero Jucá (MDB-RR), atual presidente da agremiação, de agir "em Pernambuco para tomar de golpe a legenda". Mais adiante, acrescenta: "No modus operandi dele, quem se contrapõe às suas ideias e projetos vai ser alvo, como eu fui e estou sendo, de perseguição e truculência".



O que ocorre na sigla da acomodação e do jeitinho? Por que o velho partido-ônibus agora obriga passageiros como Kátia Abreu (ex-PMDB-TO) a descerem a toque de caixa (a senadora foi expulsa no mês passado)?



Arrisco uma explicação. O deslocamento liderado por Temer entre 2015 e 2016, quando o partido rompeu a aliança com o lulismo para assumir a vanguarda da derrubada de Dilma, não era epidérmico, como às vezes pareceu. Os políticos hoje no Planalto enxergaram uma brecha cujo preenchimento é bem mais do que ocasional.



Trata-se do espaço criado pelo conservadorismo que avançou na sociedade brasileira. O acesso ao Executivo, via impeachment, deu ao grupo em torno de Michel, como gostam de dizer os correligionários, a possibilidade de realizar um programa que move importantes forças nacionais. Contenção estrutural do gasto público, desmonte da CLT e reforma da Previdência constituem medidas que alteram características centrais da Constituição de 1988, como é o desejo de parcela expressiva da classe dominante.



Os emedebistas têm consciência do papel que estão jogando e não pretendem entregar os louros conquistados de mão beijada para algum tucano da vida. Só não sabem, ainda, como combinar o jogo com o eleitorado, que tende a derrotá-los em eleições presidenciais. Por isso, o projeto de semipresidencialismo, que circulou na semana passada, deve ser acompanhado com todo cuidado. Ele pode ser a (péssima) saída para o problema em que estão metidos os atuais donos do poder.



Folha SP


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