quarta-feira, 5 de maio de 2010

A transição está concluída



Ao validar integralmente a Lei de Anistia, o STF fez justiça aos batalhadores da democracia nos anos 1970 e reafirmou que não é admissível adotar a Lei da Selva para combater a selvageria

Do blog do Alon:

Qual o modo mais eficaz de evitar que a tortura volte a ser usada como arma de combate político no Brasil? Uns dirão “a punição exemplar dos torturadores”. Outros —como este colunista—, “a preservação rigorosa do estado de direito democrático”.

Quem torturou na ditadura merece ser punido? De um ângulo moral, não resta a menor dúvida. Assim como, de um ângulo estritamente moral, talvez o sujeito que violenta sexualmente e mata uma criança “mereça” o linchamento.

A sentença do Supremo Tribunal Federal esta semana, validando completamente a Lei de Anistia proposta pelo governo militar de João Figueiredo em 1979, lei negociada com a oposição e a sociedade civil da época e aprovada naquele mesmo ano pelo Congresso Nacional, tem este mérito: reafirma o estado de direito na plenitude.

Quando aqueles fatos aconteceram, a tortura não era catalogada na legislação como crime hediondo. Nem o sequestro. Aliás crime nenhum era. Nem havia a categoria. E o Brasil não era signatário dos textos internacionais que servem também de fundamento a quem pede agora punir os torturadores de 30 anos atrás. E tem o aspecto da prescrição. Todos pontos bem abordados nos votos dos juízes.

Assim, o tribunal estava diante de uma escolha: fazer apenas o juízo moral da tortura ou também aplicar a lei. Escolheu, e bem, o segundo caminho.

A tortura foi condenada, mas a lei não foi desrespeitada. É doloroso ver torturadores impunes? Sim, mas é o preço a pagar. Seguir a lei quando ela nos beneficia é fácil. Assim como é confortável pedir ao STF que ignore a lei e passe a fazer juízos exclusivamente morais quando dela discordamos.

Outro vetor importante da sentença foi a reafirmação política da transição democrática, produto de muita luta e negociação naqueles anos.

É algo bizarro que o STF tenha precisado tomar a si a tarefa. Um sintoma do caráter divisivo da política brasileira nestes tempos. Infelizmente, partícipes e herdeiros das correntes então contrárias ao caminho que a transição percorreu de 1978 a 1985 tentam hoje desqualificar aquele processo, para buscar dividendos políticos e eleitorais.

Políticos importantes hoje na ativa foram beneficiados pela Anistia. Se a política fosse um instituto construído a partir de juízos morais e da ética, deveriam prestar homenagem aos homens e mulheres que arrancaram da ditadura aquela conquista. Mas política é política. Desde então, parece convir mais a eles atacar os arquitetos e operários da transição democrática como gente que supostamente “conciliou” com o regime.

O que é apenas bobagem. Mas uma bobagem que manteve certo fôlego, até ser enterrada pelo STF na quarta-feira. Com a participação decisiva da maioria de ministros indicados pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva.

A sessão do STF talvez tenha marcado o final definitivo daquela transição, tecnicamente falando. Num país conhecido pela progressividade dos processos, este deve ter batido o recorde.

Blog do Noblat

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