quinta-feira, 21 de junho de 2018

O tigre

Luiz Fernando Veríssimo

Aqui, além de desenvolvimentistas que não ousam dizer seu nome e monetaristas que não saíram do armário, há os incongruentes de esquerda e os incongruentes de direita

Contam que faziam um teste com candidatos a cargos importantes em instituições e grandes empresas para conhecer suas tendências sexuais. O homem era deixado sozinho numa sala com um corte de veludo grená, e observado através de uma câmera de TV. Se ignorasse o veludo grená, seria considerado normal e contratado. Se alisasse o veludo grená para sentir sua textura, seria aceito, mas sujeito a reavaliações periódicas. Se segurasse o corte de veludo grená na frente do corpo e se olhasse no espelho para ver se ficava bem, era vetado.



Isso em tempos mais homofóbicos, em que as preferências sexuais eram disfarçadas, e que felizmente passaram. Mas um teste parecido pode ser necessário para diferenciar um desenvolvimentista de um monetarista, já que os sinais exteriores — e o que eles dizem — nem sempre revelam o que eles são. Deveria ser fácil distingui-los: membros de um mesmo partido de esquerda teriam que ser todos a favor de mais gastos sociais e investimento, os de direita conservadores e rígidos monetaristas, a favor de responsabilidade fiscal mesmo que doa. Mas isso não acontece neste país do mingau ideológico.



Aqui, além de desenvolvimentistas que não ousam dizer seu nome e monetaristas que não saíram do armário, há os incongruentes de esquerda e os incongruentes de direita, que pregam desenvolvimentismo e austeridade ao mesmo tempo. Como saber quem é sincero, quem é oportunista, quem é inconsequente, quem é do PMDB e quem simplesmente não sabe o que diz?



Proponho um teste por escrito. O veludo grená por outros meios. Você e sua família encontram um tigre. Não um metafórico tigre asiático — como um daqueles países que nos apontavam como exemplo de empreendimento livre e mercado soberano, quando na verdade eram exemplos de um dirigismo estatal furioso, mas deixa pra lá. Um tigre mesmo, e um tigre falante. Ele diz que é o dono da floresta e que você pode viver nos seus domínios se aceitar suas condições — que incluem, vez por outra, dar um filho para ele comer. Se você aceitar as condições e aceitar o neoliberalismo dominante na floresta, ele ajudará você a, com o tempo, prosperar. Se não aceitar, ele devorará sua família inteira, na hora.



Você a) aceita as condições do tigre, já que a floresta é dele mesmo e não há alternativa, e que é melhor dar um filho, vez que outra, para não perder a família inteira, e prosperar com o tempo; b) desconfia da autodeclarada onipotência do tigre e pede para ver o seu registro de posse da floresta etc. e ainda lhe dá uma banana antes de sair correndo, ou: c) tenta negociar de igual para igual com o tigre enquanto pensa em tentar a vida em outra parte da floresta, dominada, quem sabe, por um tigre mais camarada. Quem escolher a) é um resignado ao monetarismo ortodoxo, quem escolher b) é um desenvolvimentista disposto a brigar por uma alternativa, quem escolher c) é um sonhador.


Globo


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...