segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

A nova biografia de Prestes, personagem incontornável da história brasileira


Yara Pereira

Escrever um livro sobre a vida de Luís Carlos Prestes, fugindo da “hagiografia e da demonização”, foi para o historiador e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Daniel Aarão Reis uma tarefa difícil. O protagonismo de Prestes em grande parte dos principais fatos da história brasileira, suas paixões ideológicas, suas posições contraditórias e os embates que travou ora com os representantes das elites políticas, ora com seus camaradas do velho PCB (com estes, não foram poucas) seriam suficientes para seduzir um biógrafo tanto para a versão da paixão cega, quanto para a crítica igualmente míope.

A vida de Prestes tornou-se uma obsessão para o historiador, como ele mesmo admite, durante os cinco anos em que desenvolveu sua pesquisa. Reis promete ao leitor, nas 592 páginas da obra “Luís Carlos Prestes – Um revolucionário entre dois mundos” (Editora Companha das Letras) relatos inéditos da época da Coluna Miguel Costa-Prestes, sobre a participação de Prestes na insurreição de 1935 e ainda acerca da reconstrução partidária na segunda metade dos anos 1970. A biografia perpassa por todas as fases da vida do “Cavaleiro da Esperança”, alcunha resultante dos feitos da longa marcha que percorreu 25 mil quilômetros de terras brasileiras entre os anos de 1925 e 1927. O pesquisador, que é especialista em história das revoluções socialistas no século XX , aborda o papel de Prestes na chamada Intentona Comunista de 1935, a jornada como preso político por oito anos, a partir de 1936, a militância na clandestinidade, o exílio na extinta União Soviética, o rompimento com o PCB e o ostracismo no final da vida.

A história da esquerda brasileira, do PCB e de muitas das lutas políticas e sociais pós-1920 podem ser conferidas na obra que promete resgatar a trajetória do homem que o autor classifica como personagem incontornável. Nesta entrevista ao Sul21 por mail, Daniel Aarão Reis fala sobre a pesquisa , os destaques da personalidade do líder comunista e dos tiroteios que sofre da esquerda e da direita, sempre atentas quando o tema é Luís Carlos Prestes.

Sul21 – O que o levou a se debruçar sobre a história de Luís Carlos Prestes e quanto tempo o sr. dedicou a este projeto?

Daniel Aarão Reis - Tudo começou com um convite da Editora Companhia das Letras para escrever um esboço biográfico de Prestes para a coleção Perfis Biográficos. O texto, porém, cresceu muito, a Editora encorajou-me e acabou saindo um volume bem maior do que o planejado. Dediquei cinco anos e meio para elaborar a biografia. Dediquei-me a outras coisas no período, mas a vida de Prestes tornou-se para mim uma espécie de obsessão.

Sul21 – O leitor encontrará informações inéditas sobre a vida de Prestes na obra?

Daniel - Certamente e em relação a muitos episódios de sua trajetória. Entre muitos outros, eu destacaria a Coluna Miguel Costa-Prestes; a participação de Prestes na insurreição de 1935; a reconstrução partidária na segunda metade dos anos 1970. O que me parece mais relevante, porém, foi o ângulo de análise adotado – evitar a hagiografia e a demonização, o que foi particularmente difícil, pois o personagem, ao longo da vida, sempre suscitou paixões – positivas e negativas.

Prestes se tornou, até 1970, uma espécie de patriarca das esquerdas comunistas.



Sul21 – Luís Carlos Prestes foi o condutor ou esteve presente em muitos acontecimentos importantíssimos para a história brasileira. O sr. acha que a pesquisa acadêmica sobre Prestes faz jus ao seu protagonismo?

Daniel - Prestes tornou-se, até 1970, uma espécie de patriarca das esquerdas comunistas. A favor ou contra, quase todos se posicionavam a respeito dele. Era uma espécie de personagem incontornável. Na sua última década de vida, no entanto, tendo deixado o Partido Comunista, sua influência declinou, ainda que mantivesse, mais pela tradição, uma certa preeminência. Penso que a pesquisa acadêmica deveria dedicar-se mais à trajetória deste revolucionário, pois sua trajetória, em certa medida, sintetiza o percurso dos comunistas. Ora, o texto que escrevi é a primeira biografia do personagem. Penso que outras seriam bem-vindas.


“(…) foi um homem de convicções”, garante o autor da nova biografia de Prestes|Foto: Reprodução TV Brasil

Sul21 – Qual é a característica da personalidade de Prestes que mais lhe impressionou, ao fazer este trabalho de pesquisa?

Daniel - O fato de que, errando ou acertando, foi um homem de convicções. E como nos faltam hoje, no Brasil, homens e mulheres de convicções…

Sul21 – E qual foi o episódio mais importante e impactante na vida deste militante comunista, na sua avaliação como historiador?

Daniel - Difícil dizer. Eu mencionaria dois episódios: a participação na Coluna Miguel Costa-Prestes e na aventura revolucionária de 1935.

Sul21 – Qual foi a principal contribuição de Luís Carlos Prestes na construção do pensamento de esquerda no Brasil?

Daniel - Prestes sempre foi um homem de ação, no padrão clássico da Internacional Comunista, mais do que um formulador ou um teórico. Não creio que tenha deixado contribuições relevantes do ponto de vista da teoria. Mas deixou legados políticos e éticos consideráveis.

Sul21 – Qual a diferença entre o Prestes da Coluna de 1920, o da Insurreição Comunista e do líder pós-1964?

Daniel - Enquanto durou a Coluna, Prestes e seus camaradas de armas tinham uma visão muito limitada. Posicionavam-se como a “esquerda” do liberalismo. Queriam uma república liberal consequente, sem fraudes e sem corrupção, e com liberdade de expressão e de organização. Valorizavam o voto e defendiam o voto secreto e protegido da influência do poder econômico e político. Na aventura revolucionária de 1935, Prestes já estava convertido ao marxismo-leninismo, envolvido num projeto nacional-revolucionário, bem definido do ponto de vista social, mas equivocado quanto às chances de triunfo. Depois de 1964, o prestígio de Prestes caiu muito. A juventude revolucionária o execrava. Os soviéticos desconfiavam de sua capacidade. Em meados dos anos 1970, recuperou força no PCB, mas o Partido, imerso em suas contradições, já não era uma alternativa para a sociedade brasileira. Uma vez independente, Prestes fez o possível para animar uma alternativa revolucionária. Não teve êxito, pois a sociedade brasileira preferiu o caminho do reformismo moderado (põe moderado nisto!)


Livro de Daniel Aarão Reis narra a trajetória de do líder comunista em extensa biografia |Foto: Reprodução TV Brasil

Sul21 – Alguns artigos e publicações retiram o caráter romântico da Coluna Prestes e tratam de temas espinhosos como roubos, assassinatos e estupros no caminho dos revoltosos de 1920. Como o sr. aborda este episódio da história brasileira?

Daniel - Como disse, evitei a demonização e a hagiografia. O episódio da Coluna foi um episódio de guerra. E num país de tradição anti-democrática e de desvalorização dos direitos humanos básicos. Não haveria como evitar completamente os episódios que você mencionou. Diga-se, no entanto, a bem da verdade, que os dirigentes da Coluna, sempre que possível, conclamavam seus homens a respeitar os sertanejos. E que a repressão a eles barbarizava as gentes muito mais do que os guerrilheiros.

“Poderia ter sido menos sectário do que foi, como ele próprio reconheceria mais tarde, mas o sectarismo também era parte daquela atmosfera na qual adentrou com a fé dos neófitos.”



Sul21 – O fato de Prestes não ter apoiado a chamada “Revolução de 1930” foi um equívoco ou uma posição que teria dado outro rumo ao Brasil, caso também tivesse sido seguida pelas forças progressistas que se aliaram a Getúlio?

Daniel - Tendo aderido ao marxismo-leninismo e à Internacional Comunista, num momento em que esta defendia uma política ultra-revolucionária (VI Congresso da IC, em 1928), Prestes estava fadado a permanecer de fora da mal chamada “revolução” de 1930. Poderia ter sido menos sectário do que foi, como ele próprio reconheceria mais tarde, mas o sectarismo também era parte daquela atmosfera na qual adentrou com a fé dos neófitos.

“Prestes tornou-se um pregador no deserto.”



Sul21 – Depois de todas as referências feitas ao longo de 2014 sobre os 50 aos do golpe militar de 1964, o que se pode dizer do papel de Prestes na proliferação de grupos de defesa da resistência armada contra o regime e na própria derrocada destes grupos?


Daniel - Prestes posicionou-se claramente contra os grupos e organizações partidários da luta armada revolucionária. Ele defendia uma política “de esquerda” no velho partidão, mas ficou ali emparedado, pois a grande maioria dos militantes esquerdistas abandonaram o Partido. Quanto retomou os controles, no fim dos anos 1970, já não tinha tempo histórico para refazer o PCB como um partido comprometido com lutas sociais radicais. Nem havia atmosfera para isto no Brasil dos anos 1980. Prestes tornou-se um pregador no deserto.

Sul21 – Qual era a expectativa que Prestes tinha com relação à esquerda brasileira no final da vida?

Daniel - Suas esperanças depositavam-se nas lutas sociais. Esperava que delas emergisse uma nova geração de lideranças disponíveis para a revolução social.

Sul21 – As gerações mais novas pouco sabem da vida de Luís Carlos Prestes. Como se muda este quadro de “inanição histórica”?

Daniel - O quadro pode mudar com estudos e debates. Neste ano, muito rico de debates e reflexões sobre os 50 anos da ditadura instaurada em 1964, criaram-se condições propícias para uma reflexão mais acurada sobre a trajetória de Prestes.

“Tenho recebido pedradas e tiros da direita e da esquerda, mas, para ser franco, gosto deste tiroteio. Melhor isso do que a paz dos cemitérios.”



Sul21 – Em Porto Alegre, assistimos a protestos em frente ao memorial que está sendo construído em homenagem a Prestes, com discursos anticomunistas bastante “rigorosos”. Como o Sr. classificaria estas ações ? Como estes eventos atuam na construção da memória coletiva em torno da figura de Prestes?

Daniel - Como disse anteriormente, Prestes sempre suscitou paixões positivas e negativas. Ora, como se sabe, a paixão cega. Tentei construir um livro distante da celebração e da demonização. Difícil caminho em se tratando de Prestes. Mas acho que valeu a pena. Tenho recebido pedradas e tiros da direita e da esquerda, mas, para ser franco, gosto deste tiroteio. Melhor isso do que a paz dos cemitérios.


Sul 21


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