domingo, 7 de dezembro de 2014

Homicídios Dolosos: preponderantemente por motivo fútil ou impulso

Extrato do Mapa da Violência

9. Fatores Explicativos

9.2 Entraves institucionais.

São vários os fatores institucionais que concorrem para enfraquecer as possibilidades de enfrentamento efetivo da violência homicida do país, impondo entraves e limites às ações nesse sentido. Sem pretender ser exaustivos, tentaremos apontar aqui as principais.

Cultura da Violência.

Contrariando a visão amplamente difundida, principalmente nos meios ligados à Segurança Pública, de que a violência homicida do país se encontra imediatamente relacionada e explicada pelas estruturas do crime, e mais especificamente da droga, diversas evidências, muitas delas bem recentes e oficiais,
parecem apontar claramente em sentido contrário:

• Em novembro de 2012 o Conselho Nacional do Ministério Público divulgou uma pesquisa que fundamentou sua campanha Conte até 10. Paz. Essa É a Atitude. O estudo foi elaborado a partir de inquéritos policiais referentes a homicídios dolosos acontecidos em 2011 e 2012 em 16 Unidades da Federação. Objetivava verificar a proporção de assassinatos acontecidos por motivos fúteis e/ou por impulso. Foram incluídos nessa categoria brigas, ciúmes, conflitos entre vizinhos, desavenças, discussões, violências domésticas, desentendimentos no trânsito, dentre outros. Fazendo um balanço dos resultados, podemos afirmar que preponderam os crimes por motivos fúteis ou por impulso, que representaram 100% do total de homicídios: no Acre, 83%; em São Paulo, 82%. Os estados com menores índices foram Rio Grande do Sul, 43%; e Rio de Janeiro, 27%.

• Neste ano de 2013, o Ministério da Justiça divulga uma série de pesquisas na Coleção Pensando a Segurança Pública. Em uma delas27 são analisados Boletins de Ocorrência e Inquéritos Policiais referentes a homicídios dolosos de três cidades brasileiras: Belém-PA, Maceió-AL e Guarulhos-SP, todas do ano de 2010. Concluem que uma parte substancial, nas três cidades, deve-se a vinganças pessoais, violência doméstica, motivos banais. Também verificam um alto percentual de crimes praticados com armas de fogo em situações cotidianas (brigas entre vizinhos, violência doméstica etc.).

Tolerância Institucional.

Como apontava recentemente numa entrevista o diretor executivo da Anistia Internacional no Brasil, Atila Roque, referindo-se aos homicídios de jovens e adolescentes: o Brasil convive, tragicamente, com uma espécie de “epidemia de indiferença”, quase cumplicidade de grande parcela da sociedade, com uma situação que deveria estar sendo tratada como uma verdadeira calamidade social

.... Isso ocorre devido a certa naturalização da violência e a um grau assustador de complacência do estado em relação a essa tragédia. É como se estivéssemos dizendo, como sociedade e governo, que o destino desses jovens já estava traçado28.

Como opera esse esquema de “naturalização” e aceitação da violência? Por diversos mecanismos, mas fundamentalmente, pela culpabilização da vítima, justificando a violência dirigida, principalmente, a setores subalternos ou particularmente  vulneráveis que demandam proteção específica, como mulheres, crianças e adolescentes, idosos, etc. Por essa via, a estuprada foi quem provocou o estupro, ou ela se vestia como uma “vadia”; o adolescente torna-se marginal, delinquente, drogado ou traficante. A própria necessidade de leis ou mecanismos específicos de  proteção: Estatutos da Criança, do Adolescente, do Idoso; Lei Maria da Penha, ações afirmativas, indicam claramente as desigualdades e vulnerabilidades existentes.

Dessa forma, uma determinada dose de violência - que varia de acordo com a época, o grupo social e o local - torna-se aceita e até necessária, inclusive por aquelas pessoas e instituições que teriam a obrigação e responsabilidade de protegê-los.

Nesse sentido, nos aproximamos do conceito de violência estrutural, formulada por diversos autores, retomada e aprofundada no Brasil especialmente por Cecília Minayo 29 e Edenilsa de Souza 30 . Parece mais adequado denominá-la violência estruturante, que estabelece os limites culturalmente permitidos e tolerados de  violência por parte de indivíduos e instituições: da sociedade civil ou do estado; tolerância que naturaliza e até justifica a necessidade de uma determinada dose de violência silenciosa e difusa com os setores vulneráveis da sociedade.


Mapa da Violência


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