Immanuel Wallerstein | Tradução: Antonio Martins
O presidente Barack Obama disse aos Estados Unidos, e em particular ao Congresso, que o país deve fazer algo no Oriente Médio, para interromper um desastre. Sua análise do suposto problema é extremamente turva, mas os tambores do patriotismo estão batendo forte e, no momento, quase todo mundo, nos EUA, está contagiado. Alguém mais sensato diria que todos estão se debatendo em desespero, diante de uma situação pela qual Washington é o principal responsável. Não sabem o que fazer. Por isso, agem em pânico.
A explicação é simples. Os Estados Unidos estão em grave declínio. Tudo dá errado. E, em pânico, seus governantes assemelham-se ao condutor de um automóvel possante, que perdeu o controle da máquina e não sabe como reduzir a velocidade. Em vez disso, ele acelera rumo a um grande desastre. O carro trafega em ziguezague e derrapa. Tornou-se um enorme perigo – não apenas para o motorista, mas também para o resto do mundo.
As análises atuais concentram-se sobre o que Obama fez ou deixou de fazer. Mesmo seus defensores mais próximos parecem duvidar do presidente. Um comentarista australiano escreveu, no Financial Times, que “em 2014, o mundo subitamente cansou-se de Barack Obama”. Imagino que talvez o próprio Obama tenha se cansado de si mesmo. Mas seria um erro culpar apenas o presidente. Virtualmente ninguém, entres os líderes norte-americanos, apresentou alternativa mais inteligente. Bem ao contrário. Há os profetas da guerra, que estimulam o presidente a bombardear todo mundo, e já. Há os políticos que realmente creem que as próximas eleições norte-americanas farão grande diferença…
Uma rara voz de sensatez surgiu numa entrevista do New York Times com Daniel Benjamin, que foi, no primeiro governo Obama, o principal conselheiro antiterrorismo do Departamento de Estado. Ele considera a suposta ameaça do ISIS uma “farsa”, em que “membros do governo e do alto comando militar descrevem a ameaça, todo o tempo, em termos escabrosos, que não se justificam”. Ele diz que as alegações são feitas sem nenhuma “evidência comprovada”, o que só demonstra como é fácil, para altos funcionários e a mídia, “mergulhar o público em pânico”. Mas quem dá ouvidos a Benjamin?
Neste instante, e com a ajuda de fotos macabras da decapitação de dois jornalistas norte-americanos pelo califado, as pesquisas mostram enorme apoio a uma ação militar. Mas quanto isso perdurará? O apoio só será sustentado enquanto houver resultados concretos. Mesmo o chefe do Estado-Maior militar, Martin Dempsey, reconhece, quando defende ação bélica, que ela se estenderá por pelo menos três anos. Multiplique três por cinco, para se aproximar de uma estimativa de duração mais real. A população norte-americana, com certeza, irá se desencantar rapidamente.
Por enquanto, Obama propõe alguns bombardeios na Síria, nenhum soldado norte-americano “em solo”, mas um número maior de soldados especiais, em atividades de treinamento no Iraque (e provavelmente em outras partes). Quando disputou a presidência, em 2008, Obama fez muitas promessas, como é normal para um político. Mas sua promessa-chave foi sair do Iraque e Afeganistão. Ele não irá mantê-la. Na verdade, está envolvendo os EUA em novas guerras.
A coalizão liderada por Obama oferecerá “treinamento” a quem o presidente define como “gente de bem” [orig: “good guys”]. Aparentemente, o treinamento ocorrerá na Arábia Saudita. Bom para os governantes do pais. Eles podem vetar qualquer participante dos exercícios e escolher em quem confiam ou não. Isso tornará possível, ao regime saudita (hoje, ao menos tão desnorteado quanto o norte-americano), sugerir que está fazendo algo e sobreviver um pouco mais.
Há maneiras de alterar este cenário catastrófico. Mas elas exigem uma decisão de substituir a guerra por acordos políticos entre muitos grupos, que não se gostam, nem confiam uns nos outros. Tais acordos políticos não são impossíveis, mas são difíceis de articular – e, depois de firmados, são, num primeiro momento, frágeis. Uma das principais condições para que eles tenham espaço no Oriente Médio é um menor envolvimento dos Estados Unidos. Ninguém acredita em Washington, ainda que alguns atores convoquem assistência norte-americana momentaneamente, para executar certas tarefas. O New York Times lembra que, no encontro que Obama montou, para lançar sua nova coalizão, o apoio dos países do Oriente Médio presente foi “morno” e “relutante”, por haver “crescente desconfiança nos Estados Unidos, partindo de todos os lados”. Portanto, ainda que alguns se alinhem de forma limitada, ninguém mostrará gratidão por algum tipo de assistência norte-americana. É provável que os atores políticos do Oriente Médio desejem agora produzir seu próprio cenário, ao inveś de encenar a visão dos EUA sobre o que lhes convém.
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