Em um ambiente condenatório no qual acompanhar a tendência dominante é sempre mais seguro, a responsabilidade pelos próprios atos e pelo próprio ato do pensamento - e das escolhas a que ele leva - não é, para muitas pessoas, uma postura que "valha a pena". Justamente por isso, no contexto da tendência dominante, vou declarar meu voto, porque acredito que podemos ter práticas de sinceridade - e de lucidez - que podem ajudar a melhorar a experiência política brasileira e a cultura política como um todo.
A necessidade que muitos sentem de seguir a tendência dominante surge porque o modo como estamos construído o campo do senso comum no qual vivemos é antipolítico, em vez de ser político. Podemos ter um conceito muito positivo de política, mas não é o que fazemos enquanto vivemos a negação da política atual. Contribuímos para a produção antipolítica de nossa época. Mas é verdade também que gostaríamos que o quadro do cotidiano antipolítico fosse revertido e que chegássemos à política no seu melhor sentido.
No parâmetro antipolítico da política ao qual nos acostumamos, vivemos uma contradição. Assistimos a destruição da condição política como se não fossemos parte dela, como se não derrubássemos uma pedra na direção dessa ruína. Estamos esvaziados do senso político que se constrói na posição ética, ou seja, singular e ao mesmo tempo social, em uma palavra, autorreflexiva do social. Perdemos o próprio sentimento relativo ao âmbito social. Quero dizer com isso que, se a sociedade fosse uma casa, fingiríamos que não é a nossa. Em palavras simples, não percebemos como somos co-responsáveis pelo cenário de escombros que temos ao nosso redor. Abominamos o que vemos enquanto fingimos não ter feito nada para isso. E de fato, podemos não ter feito no passado, com as próprias mãos, mas nossos ancestrais, as gerações anteriores, o fizeram. E, se queremos a política de volta, precisamos nos responsabilizar tanto pelo que foi feito (mesmo que não tenhamos pessoalmente sujado as mãos) quanto pelo que estamos fazendo na construção do presente e do futuro.
E o que é a política? Essa é a pergunta que nunca nos colocamos no cenário antipolítico das respostas prontas. Não costumamos ver a política como experiência do poder compartilhado que implica deveres e direitos para todos. Preferimos vê-la como uma coisa suja e corrupta, e assim liberamo-nos de nos envolver com ela. A condição política enquanto condição democrática, que interessaria a todos porque seria boa para todos, visaria a emancipação dos cidadãos singulares que se tornariam criativos de suas próprias vidas como seres sociais. Não há política fora dessa construção que implica o singular e o comum a todos. Mas em nossa postura individualista - ela mesma uma negação do singular - só conseguimos inventar o clima antipolítico fingindo no contexto da lógica do "não é comigo". Nem o voto escapa dessa lógica.
Esquecemos que somos enquanto pessoas singulares, seres sociais. A nossa singularidade não nos faz antissociais. Antes é o apagamento da singularidade que nos faz antissociais e, deste modo, antipolíticos. Pensando a política neste sentido mais fundamental, podemos dizer que ela é a autoprodução da sociedade a partir do direito à subjetividade de cada um. Nesse sentido a definição de política é a mesma da democracia. Dizer que temos direito à política, é dizer que precisamos urgentemente produzir democracia como espírito e corpo da sociedade atual.
Temos sido privados dessa perspectiva, a de sermos nós mesmos e, deste modo, nos envolvermos com a política. O voto, nesse contexto, é uma atitude aparentemente simples, mas que guarda a complexidade do direito de ser quem se é na busca pela singularidade. Se o senso comum é o tempo-espaço do cotidiano no qual transitam ideias prontas, votar hoje é aprender a questionar o senso-comum vendido à tendência dominante. O voto é uma ação ética, ou seja, é teórico-prática e fundamental na construção da democracia. O direito ao voto é direito a pensar e agir, ou seja, direito à singularidade.
Se votamos pela tendência dominante e não porque refletimos autonomamente sobre nossas escolhas levando em conta o aspecto singular e social da escolha, podemos pensar que temos em relação à política uma atitude um tanto desonesta. Talvez porque estejamos acostumados a pensar a política como campo onde a desonestidade é algo natural e assim, estejamos liberados para agir pelo mal. Pensando com um mínimo de cuidado, no entanto, saberemos que a política é o que nós fazemos juntos. E que se não estamos em uma boa fase política é porque a despolitização tem vencido entre nós.
Votarei em Luciana Genro porque além de acreditar em pautas básicas (tais como taxação de grandes fortunas; auditoria da dívida pública para retomar a capacidade de financiamento do Estado; defesa das liberdades civis como os direitos LGBT e das mulheres, entre eles a legalização do aborto; bem como dos direitos humanos em geral; combate à violência pela legalização e regulamentação da maconha; e desmilitarização da polícia), acredito que Luciana Genro representa esse espírito de sinceridade e singularidade na política a partir da qual teremos o direito de construir uma sociedade democrática pela reconstrução da própria política. Se hoje olhamos para as ruínas da política, creio que seja possível construir em outra direção, aquela na qual a responsabilidade não nos provocará medo, mas a alegria política e social da qual estamos há muito tempo proibidos por nós mesmos. O caminho é longo como são os caminhos que fazem a política, assim como a vida, inventar e descobrir o seu sentido.
Brasil Post
Nenhum comentário:
Postar um comentário