domingo, 21 de setembro de 2014

Nós: Os Replicantes

Viviane Rodrigues

Na contemporaneidade, o teste que detectava replicantes em "Blade Runner", não funcionaria a contento.

É um nome científico como tantos: teste de Guthrie, emissão otoacústica evocada, teste do reflexo de Bruckner, por exemplo.* No entanto, é fictício. Foi inventado. Voight-Kampff é o nome do teste psicológico mencionado no livro Do Androids Dream of Electric Sheep?, do prolífico escritor americano Philip K. Dick**. A cena foi protagonizada no cinema por Harrison Ford e Sean Young no filme Blade Runner, um clássico do cinema de ficção, de Ridley Scott, produzido em 1986.

No tal teste, o interrogador faz uma série de perguntas de fundo emocional ao entrevistado. Ao responder, a pupila, por exemplo, se dilata involuntariamente enunciando sensações e mais - no caso, imaturidade emocional. Ao cruzar o teor da resposta com a dança das pupilas e outras respostas do corpo, o resultado indica se você é um humano ou um replicante.

(Replicantes são androides projetados por uma tal corporação. Basicamente mais ágeis e mais fortes que humanos, variam no grau de inteligência.)

O teste Voight-Kampff é baseado no teste de Turing, sobrenome do Alan, um mágico britânico dos números (matemático, filósofo, praticante do esporte da criptoanálise; cientista da computação e lógico), que morreu vítima da completa intolerância da sociedade britânica que, naquele momento, dizia que a homossexualidade era crime.

(O homem que escreveu em 1950 “I propose to consider the question, "Can machines think?" This should begin with definitions of the meaning of the terms "machine" and "think.”*** em um texto seminal das ciências da computação, foi processado pelo crime de práticas homossexuais no Reino Unido, em 1952. Dois anos depois: se suicidou).

O teste de Turing identifica quão bem um computador pode exibir-se inteligente, imitar uma resposta humana, e parte da perspectiva que a máquina não pode pensar... Mimetizar, no entanto… E precisaria de mais? Turing e outros filósofos achavam que basicamente androides e humanos são iguais, sem diferenças muito impactantes, já que nosso cérebro seria um computador que processa escolhas.

(Sartre que discordava da percepção de Alan sobre humanos/androides, se alinhava ao matemático no reconhecimento da importância dada aos sentimentos, às emoções, a empatia que deveria nos traduzir em únicos, em humanos****).

Pois então... O teste Voight-Kampff, é usado para detectar replicantes. No filme, uma das perguntas do entrevistador era: “_Você está em um deserto. O cágado está deitado de costas, de barriga para o ar, esperneando, tentando virar-se. Mas não consegue. Só com a sua ajuda.”

Então é a empatia com a dor alheia que nos faz humanos.

Penso...

Cágados são diferentes de pobres? De índios? De gente?

Quantas crianças-pessoas, na atualidade, você imagina que:

a) Deixariam o cágado lá, mais fodido que cagado.

b) Chutariam o cágado

c) Sacaneariam o cágado

d) Ajudariam o cágado

Para as respostas a,b e c > Replicantes.

Ou serão estes os humanos do século XXI e nós é que somos os replicantes?

__________________________________________

* Ou seja, teste do pezinho, da orelhinha e do olhinho.

** Além de Blade Runner, outros filmes foram baseados na obra do escritor. Exemplos? Total Recall (O Vingador do Futuro, Paul Verhoeven, 1990); Impostor (OImpostor, de Gary Fleder, 2002); Minority Report (Minority Report: A Nova Lei, de Steven Spielberg, 2002) e A Scanner Darkly (O Homem Duplo, de Richard Linklater, 2006).

***"Eu proponho considerar a questão "As máquinas podem pensar”? Isto deve começar com as definições dos termos “máquina" e “pensar”.

**** Texto bem legal de Judith Barad sobre Sartre e Blade Runner.


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