sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Direitos Sociais têm lugar subalterno na ‘economia política’ da sucessão presidencial

Guilherme C. Delgado  

Economia política trata, segundo uma linguagem de compreensão geral, das questões da produção e repartição do ‘bolo’ econômico entre diversos grupos e classes sociais de um país determinado. Pressupõe alianças de poder econômico e poder político para repartir a renda social, para o que conta principalmente com o manejo dos meios regulatórios, tributários, orçamentários e monetários que o Estado moderno detém em sua íntima relação com os mercados.

Na atual campanha presidencial, vêm se delineando, de forma declarada ou implícita, estratégias de economia política dos três principais candidatos presidenciais, segundo as pesquisas eleitorais, que, uma vez decifradas pelos eleitores, provavelmente, gerariam muito mais inquietação que generosa preferência e adesão. Vou me restringir a dois aspectos muito relevantes na repartição do bolo econômico, que de certa forma exprimem a relação capital-trabalho no processo político, com direta incidência sobre a repartição da renda social: o trato da riqueza financeira, da riqueza fundiária e dos direitos sociais no debate sucessório.

Aos três candidatos principais – Dilma, Marina e Aécio - parece ‘natural’ que os proprietários da riqueza financeira e da riqueza imobiliária (urbana e rural) continuem a usufruir benesses pela posse desses ativos, tanto mais elevados quanto mais ricos forem, cada vez mais isentos de responsabilidades sociais. Nenhum deles, nos seus programas publicados, cogita estabelecer limites ou condicionalidades à concentração do capital e do dinheiro nas mãos dos detentores dessas riquezas. Ao contrário, banqueiros, usineiros e empreiteiros comparecem como grandes doadores de campanha de todos os candidatos principais e graciosamente ocupam um lugar de destaque prévio nas estratégias programáticas.

A bem da verdade é preciso dizer que os dois candidatos mais cotados nas pesquisas eleitorais – Dilma e Marina – fazem e prometem o caminho inverso do que se deveria esperar no jogo democrático: mais concentração econômica e privilégios para os do andar de cima, com o que condicionam o que fariam aos direitos sociais com sentido claramente residual. O terceiro candidato, Aécio Neves, seguidor assumido do receituário neoliberal, critica a forma “estatizante” de garantir os privilégios econômicos, isentos de responsabilidade social, mas não o sentido dessa estratégia, que seguiria com mais liberdade aos mercados.

Dois exemplos concretos ilustram o jogo sucessório. No primeiro caso, a candidata Dilma continuaria sua política de produção de novos milionários e bilionários com recursos públicos (do sistema BNDES, do Sistema Nacional de Crédito Rural, do sistema PETROBRAS e do sistema ELETROBRAS), ainda bafejados por desonerações de contribuições sociais, de que tanto se jacta.

Nenhuma condicionalidade social e ambiental à exploração excessiva de recursos naturais, o caminho perseguido como eixo do crescimento econômico no seu governo, diga-se de passagem, com insucesso evidente para fazer o “bolo” crescer.

No segundo caso, Marina da Silva, que não estando no governo apressa-se em anunciar a concessão de independência ao Banco Central, retirando das mãos de Aécio Neves o bastão neoliberal, para uma manobra que os mais experimentados operadores da política econômica, como o ex-ministro Delfim Netto, consideram absolutamente desnecessária.

O ordenamento jurídico do Banco Central brasileiro confere de fato e de direito uma irresponsabilidade absoluta ao Banco Central, segundo os critérios da Lei de Responsabilidade Fiscal, para criação de dívida pública nova, inexistente, por exemplo, no Banco Central norte-americano. A isso e a todas as prerrogativas de um Banco Central – de fiscalização do sistema financeiro, de controle e aplicação das reservas externas, de gestão do câmbio, de gestão da moeda e principalmente de produção da taxa básica de juros, que remunera os detentores da dívida pública –, dona Marina promete absoluta independência em relação aos cidadãos brasileiros. Estamos falando de mais de 2 trilhões de Dívida Pública Interna; de Reservas internacionais da ordem de 350 bilhões de dólares; e da fiscalização do imenso patrimônio do sistema financeiro, que a candidata propõe independentes do controle do Estado.

Observe-se que, com a estratégia de novos milionários e bilionários alavancados pelos recursos públicos, da candidata Dilma ou com a estratégia neoliberal de Marina e Aécio, sobram às políticas sociais, aos direitos sociais e às exigências de condicionalidades que incidam sobre o direito de propriedade (a função social e ambiental da propriedade fundiária, por exemplo) um lugar absolutamente periférico e residual.

Saúde, Educação, Previdência Social, Assistência Social, Reforma Agrária etc., enquanto direitos sociais onerosos ao Estado ou regulamentáveis pela aplicação dos critérios constitucionais, têm lugar subalterno na economia política da sucessão. E as condicionalidades do Estado democrático para a posse e propriedade de recursos naturais, que são mandamento constitucional, somem nos programas dos candidatos, até mesmo no da ambientalista Marina. Isto tudo sob obsequioso silêncio da grande mídia e dos três principais presidenciáveis.

O meu limite físico chega ao final neste artigo. Mas não a perplexidade com os rumos que nos esperam, a prevalecer o jogo político sucessório que ora está desenhado.

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Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

Correio da Cidadania

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