Com fé na política. A recuperação da presidenta e candidata à reeleição, Dilma Rousseff, contemporânea da estagnação da oposicionista Marina Silva mostrada em três pesquisas publicadas na semana passada, não foi obra de um milagre. Foi a consequência de politizar uma campanha que havia começado dominada por promessas mais ou menos bíblicas e com um velório televisionado em tempo real.
A presidenta do Partido dos Trabalhadores enfrentou o risco de falar sem eufemismos – apesar de os entendidos em marketing político recomendem o contrário – quando assegurou que Marina Silva representa, e está ciente disto, os banqueiros e o empresariado mais concentrado que pretende tomar o controle do Estado, do qual estiveram separados durante os três governos petistas, iniciados em 2003.
Dilma foi bastante didática ao criticar a independência do Banco Central, reivindicada insistentemente pela Marina com apoio de sua conselheira Maria Alice Setúbal, herdeira do Banco Itaú.
“Minha filha, meu filho, esse povo da autonomia do Banco Central quer é o modelo anterior. Quer é fazer um baita ajuste (…), aumentar os juros pra danar, reduzir emprego e reduzir salário, porque emprego e salário não garantem a produtividade, segundo eles”, quer que voltemos ao modelo econômico anterior ao governo do presidente Lula (2003-2011), para repetir o receituário do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB (Partido da Social-democracia Brasileira), entre 1995 e 2003.
Traduzindo: Dilma deu um giro à esquerda para a surpresa de uma direita que presumia ter a campanha sob controle, e as eleições já dadas como vencidas, com o envio de Marina para substituir o candidato Eduardo Campos, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), morto em 13 de agosto em um acidente aéreo.
Desde aquele dia, a popularidade de Marina, beneficiada com a comoção popular diante da tragédia e da transmissão pela televisão de um funeral de proselitismo político, cresceu em média quase 10 pontos por semana, até alcançar 10 pontos de vantagem sobre Dilma, segundo pesquisa realizada 15 dias atrás.
Após ficar desconcertado inicialmente devido à disparada de Marina, semelhante ao impacto causado pelas manifestações de junho de 2013, o PT começou a revisar sua estratégia, paulatinamente, primeiro com alguns questionamentos da vaga tese apresentada pela ambientalista – como sua defesa de uma nova política sem partidos ou ideologias – e mais tarde visando ao núcleo de seu programa.
A investida de Dilma contra o modelo liberal ecologista fez com que parte do público identificasse Marina, ex-trabalhadora rural da Amazônia, com os banqueiros, que já antecipam a necessidade de aplicar um “ajuste amargo” a partir de 1º de janeiro de 2015, quando o próximo governo assumirá.
Ao que tudo indica, Marina, com quase três décadas de militância no PT, começa a perder sua imagem associada aos movimentos populares, onde vários dirigentes, inclusive camponeses amazônicos, denunciam sua guinada em direção a posições conservadoras.
O contraponto entra a antiga e a atual Marina, agora apoiada pelas elites que ela mesma combateu, é outro ingrediente que surge com a politização da disputa pré-eleitoral que tende a lhe tirar adesões, apesar de ser prematuro prever se essa sangria ainda vai se aprofundar.
É o que retrata a pesquisa Ibope, publicada na sexta-feira, em que Dilma Rousseff recebeu 39% das intenções de voto diante dos 31% de sua adversária, logo no primeiro turno, em 5 de outubro, enquanto na consulta anterior Dilma tinha uma diferença de 4 pontos, 37% contra 33%.
O oficialismo também melhorou em relação a um provável segundo turno, pois alcançou 42% diante aos 43% da oposição, que, dez dias atrás, aparecia com 7 pontos de vantagem. Os números do Ibope são similares aos publicados na semana passada pelas empresas Datafolha e MDA, que detectaram uma recuperação sustentável de Dilma.
Apesar de seu momentâneo estancamento, Marina conta com um eleitorado cativo respeitável, superior a 30%, mantendo vivas suas chances de vitória. No comando da campanha, é motivo de análise não apenas a melhora do PT, mas também uma nova narrativa: o debate se tornou mais programático após um começo emotivo. Neste novo cenário, os argumentos do governo se fortalecem. Neste ponto surge a questão do petróleo, assunto recorrente, que já rendeu bons resultados ao partido de Luiz Inácio Lula da Silva, fundado em 1980.
Em 2006, o então candidato à reeleição Lula incluiu em sua campanha de autossuficiência do petróleo e criticou o governo de Fernando Henrique Cardoso por ter tentado privatizar a Petrobras no início da década anterior, quando propôs que a empresa passasse a se chamar Petrobrax, uma nova marca para conquistar investidores estrangeiros.
E Dilma voltou a defender a política energética de seu governo, na semana passada, como fez na campanha de 2010, mas agora agregando questionamentos a seus rivais, que pretendem “acabar” com os projetos de exploração das reservas em águas ultraprofundas, região do pré-sal, cujos royalties financiarão os orçamentos da educação e da saúde.
O argumento é convincente, pois se apoia nos marcos registrados nas gestões da descoberta do petróleo em 2007, graças aos investimentos de risco destinados à exploração e à extração, que cresceu bastante neste ano na área do pré-sal, desmentindo previsões pessimistas de grupos ligados à petroleiras norte-americanas excluídas do negócio.
Por sua trajetória ligada ao ecologismo radical e por seu presente subordinado a grupos empresariais, inclusive estrangeiros, Marina responde ambiguamente sobre o qual será seu plano para os hidrocarbonetos, e refere se apoiar nos argumentos éticos e religiosos.
Em outro de seus arrebatamentos místicos, a dirigente, convertida ao evangelismo, disse ser vítima de “ataques” do PT, mas prometeu estar disposta a lhes mostra a “outra cara”, como fez Cristo.
“Nunca imaginei, por mais criativa que eu fosse, depois de 30 anos lutando no PT, depois de ter enfrentado jagunço e depois de ter lutado pelo Lula, que seriam eles que iriam fazer de tudo para me destruir”, lamentou em declarações que tiveram amplo destaque na imprensa, que não dissimulam sua simpatia em relação a uma vitória “marineira”.
E lamentou que seu antigo partido perdure “uma visão autoritária que é típica da esquerda”, que em evidência por meio dos preconceitos em relação à sua amiga Maria Setúbal, “demonizada por ter dinheiro”.
Porém, para além da força emocional de suas declarações, no PT defendem que um governo “marineiro” será revisada a legislação petroleira para impor limites às atribuições da Petrobras e reverter o processo de reestatização em curso.
Esta é a opinião de Fernando Henrique, um dos fiadores políticos de Marina, que acabou de viajar a Nova York para falar com investidores.
Marina e Fernando Henrique falam em aumentar o preço da gasolina, coincidindo com os interesses do mercado financeiro, ávido por incrementar os lucros com ações da Petrobras, empresa controlada pelo Estado, mas de capital aberto.
A aspirante à presidência e o ex-governante, unidos em sua fúria antipetista, também se aliam no momento de bater os tambores da corrupção na Petrobras, citando o desvio de milhões de dólares feito por um alto executivo, atualmente preso e sob o risco de cumprir uma longa pena, que seria evitada se recorresse à delação premiada de seus cúmplices, entre os quais havia parlamentares, algum ministro e empresas contratadas.
Carta Maior
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