Por João Fellet, na BBC Brasil
Responsável por uma fatia cada vez maior da economia brasileira, o setor nunca esteve tão presente nos discursos, agendas e alianças dos candidatos que lideram a corrida presidencial.
Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB) têm se reunido com representantes do segmento de olho em doações para suas campanhas, no poder do grupo em influenciar votos e na sua força no Congresso.
“O cortejo dos candidatos ao agronegócio cresceu de forma excepcional em relação a eleições passadas e está mais escancarado, intenso e assumido”, diz o jornalista Alceu Castilho, estudioso das relações entre política e agronegócio e autor do livro Partido da Terra (editora Contexto, 2012).
Uma das maiores provas desse cortejo, diz Castilho, ocorreu no início de agosto, quando os três principais presidenciáveis – à época, o candidato do PSB era Eduardo Campos – foram sabatinados pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Na última eleição presidencial, somente o candidato do PSDB, José Serra, visitou a entidade.
Contribuições
As contribuições do setor às campanhas ajudam a explicar a aproximação, diz Castilho. Elas expõem o crescente poderio do agronegócio num momento em que a economia nacional fraqueja.
Segundo a CNA, o setor hoje representa 23% do PIB (Produto Interno Bruto) e foi responsável por 41% das exportações do país em 2013. O Brasil hoje é o maior exportador global de café, açúcar, suco de laranja, carne bovina, frango, soja em grão e milho.
Castilho diz que as doações do grupo JBS, maior processador de carne do mundo, são emblemáticas. Na eleição de 2010, a empresa repassou R$ 35 milhões a comitês e diretórios partidários e integrou o segundo escalão entre as maiores doadoras. Neste pleito, a empresa já doou R$ 71,9 milhões e disputa a liderança da lista.
Outros grandes grupos do setor – entre os quais a Cosan, a Cutrale e a Copersucar – também integram a lista das empresas que mais doaram até agora.
Castilho diz, no entanto, que o peso do agronegócio nas doações eleitorais não pode ser medido somente pelos repasses de empresas do ramo, já que importantes doadoras de outros segmentos também têm fortes laços com o setor.
Ele cita entre essas companhias a construtora Queiroz Galvão, dona de fazendas de eucalipto no Maranhão, e a fabricante de bebidas Ambev, que possui indústrias de sucos e exerce grande influência na cadeia produtiva agrícola.
Para ele, as duas gigantes – assim como várias outras empresas originariamente de outros ramos – também exercem lobby político em favor do agronegócio.
Presidenciáveis
Dentre os três principais presidenciáveis, Aécio é considerado o candidato mais próximo do agronegócio. O coordenador de seu programa de governo para o setor é o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues.
Dilma tem como principal aliada no ramo a presidente licenciada da CNA Kátia Abreu (PMDB-TO), cotada para assumir o Ministério da Agricultura se a petista for reeleita.
Marina é quem desperta mais receio no setor. Desde a morte de Eduardo Campos, ela tem elogiado o segmento e dito que apenas uma “pequena fração” de seus representantes “não atualizou suas práticas” ambientais.
A candidata do PSB tem buscado se aproximar de empresários de açúcar e etanol em São Paulo, e conta nessa tarefa com a ajuda de seu vice, o deputado federal Beto Albuquerque (PSB-RS), que mantém boas relações com o setor.
Apoio no Congresso
Para o diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto de Queiroz, ao acenar ao agronegócio, os presidenciáveis também tentam garantir apoios no Congresso caso vençam a disputa.
A bancada ruralista é considerada pelo Diap como a mais forte da Casa. Segundo a Frente Parlamentar da Agropecuária, nome oficial da bancada, 23% dos deputados e 16% dos senadores integram o grupo.
A bancada se reúne em almoço todas as sextas para definir prioridades e posições. Segundo Queiroz, o grupo indicou o atual ministro da Agricultura, Neri Geller (PMDB-MT), e os presidentes das comissões de Agricultura e do Meio Ambiente da Câmara e da Comissão de Reforma Agrária do Senado.
Tradicionalmente, afirma ele, associações que representam grandes produtores de matérias primas agrícolas – como a CNA – exerciam na bancada uma influência sem paralelo.
Hoje, porém, a bancada também mantém relações próximas com indústrias ligadas ao agronegócio, representadas por entidades como a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e a CNI (Confederação Nacional da Indústria).
O perfil dos representantes da bancada também tem mudado, diz Queiroz. Grandes empresas do ramo deixaram de apoiar apenas políticos que são proprietários de terra e passaram a chancelar candidatos de outros ramos profissionais.
“Hoje há a opção em apoiar candidatos economistas, advogados, profissionais liberais que sejam identificados com o setor, mas não sejam tão expostos como os donos de terras.”
Cidades pequenas
Para o cientista político Edélcio Vigna, que estuda a bancada desde o fim da ditadura, outro motivo para o cortejo dos presidenciáveis ao agronegócio é sua capacidade de angariar votos.
Vigna afirma que o PMDB, que tem o maior número de congressistas ruralistas, é também o partido que controla mais prefeituras no país. E especialmente nos municípios pequenos, que são 80% do total e onde as campanhas dos presidenciáveis só chegam pela TV, os prefeitos têm grande poder de influenciar votos.
Para ele, o peso político do setor eliminou do debate eleitoral bandeiras tradicionais da esquerda. “Não se discute mais reforma agrária, função social da propriedade, desapropriação de terras”, afirma.
“Hoje a discussão sobre o campo é somente econômica, desenvolvimentista.”
Demarcação de terras indígenas preocupa setor
Ao visitarem a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em agosto, os presidenciáveis receberam uma carta da entidade com cobranças por mais incentivos e financiamentos para agricultores, mais investimentos em infraestrutura e uma solução para problemas ligados à demarcação de terras indígenas.
Segundo assessores da CNA, o último ponto – presente em capítulo que defende a “segurança jurídica” no campo – é o mais importante da lista. O órgão quer que o próximo presidente mantenha a decisão tomada no governo Dilma de suspenser a demarcação e a ampliação de terras indígenas; passe a comprar áreas para atender as demandas dessas comunidades; e retire da Funai (Fundação Nacional do Índio) a atribuição de identificar e demarcar esses territórios. Dentre os três candidatos principais, Aécio é quem se mostra mais alinhado com o setor. Embora o site de sua candidatura não trate especificamente da questão indígena, ele diz que em seu governo fazendas invadidas não serão desapropriadas por dois anos. Na CNA, ele afirmou ainda que a Funai passará a dividir suas funções com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), estatal vista com bons olhos pelo agronegócio. O site da candidatura de Dilma não trata do tema. No primeiro debate entre os candidatos, ela afirmou que o conflito entre índios e agricultores deve “ser resolvido de forma a preservar interesses de todas as partes”. Marina é a única a abordar o tema em seu programa de governo. Ela se compromete a “estabelecer mecanismos de gestão de conflitos para finalizar a demarcação de Terras Indígenas, como previsto na Constituição Federal.” Ela não detalha, porém, como esses mecanismos funcionariam. Diante do acirramento dos conflitos em áreas em demarcação nos últimos anos, o governo federal criou mesas de diálogo lideradas pelo Ministério da Justiça e compostas por índios, donos de terra e autoridades locais. Até agora, no entanto, não se chegou a nenhuma saída para os impasses.
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