A Procuradoria Regional Eleitoral da Paraíba (PRE/PB) ingressou hoje, 17 de dezembro de 2014, com Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) contra Ricardo Vieira Coutinho, governador reeleito nas eleições de 2014. Também são réus na ação Ana Lígia Costa Feliciano, Francisco César Gonçalves, Márcia de Figueiredo Lucena Lira, Waldson de Souza Dias, Antônio Eduardo Albino de Moraes Filho e Renato Costa Feliciano.
Eles são acusados de abuso de poder político e, se forem condenados, estarão sujeitos à sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos oito anos subsequentes à de 2014, além da cassação do registro ou diploma dos candidatos beneficiários Ricardo Vieira Coutinho e Ana Lígia Costa Feliciano.
Para a Procuradoria Regional Eleitoral, as condutas descritas afetaram a igualdade de oportunidades entre os candidatos no pleito eleitoral, em detrimento daqueles que não têm a mesma possibilidade de usar a máquina pública em proveito das candidaturas. “A situação de ilícita vantagem em relação aos demais concorrentes ao pleito é, pois, evidente”, afirma a PRE/PB, na petição assinada pelos procuradores regionais eleitorais Rodolfo Alves Silva e Victor Carvalho Veggi.
A ação é fundamentada no que foi apurado nas investigações realizadas em oito procedimentos administrativos, relacionados ao evento "Plenária de cultura"; distribuição de kit escolar com frase alusiva ao governo do Estado; nomeação e contratação de servidores; e utilização do programa de governo Empreender -PB. Na ação, também ressalta-se que “o abuso de poder econômico encontra-se igualmente configurado nos autos a partir do desvio de finalidade no uso da máquina pública com o consequente gasto de vultosas quantias que estavam à disposição do então candidato à reeleição e atual governador do Estado da Paraíba. Outro ponto considerado sobre o do abuso de poder econômico foi a influência exercida sobre as pessoas beneficiadas com a distribuição de recursos públicos, ainda que na forma de salários, como no caso de cargos, empregos e funções, “as quais se sentem estimuladas a votar no candidato promovente”. A ação será julgada pelo Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba.
Plenária de cultura – As investigações foram iniciadas com base em convites da Coligação “A Força do Trabalho”, destinados a artistas, para participarem de "Plenária da Cultura", ocasião na qual, dentre outras coisas, seriam prestadas contas do governo na respectiva área. O Ministério Público questionou acerca das plenárias à Secretaria de Estado da Cultura, tendo o secretário (também réu) Francisco Gonçalves, afirmado que o evento não contava com o apoio da Secretaria de Cultura.
Para a PRE/PB, não se pode ignorar que se tratou de uma ação direcionada a prestigiar o então candidato à reeleição a governador, porque houve a participação direta do governo do Estado por meio de uma de suas secretarias. Na ação, o Ministério Público explica que os eventos contaram ainda com a participação de servidores públicos vinculados às ações culturais no atual governo, o que certamente não seria possível caso fosse, por exemplo, uma iniciativa da coligação contrária.
“O conjunto probatório presente nos autos demonstra a promoção de ações/atividades diretamente relacionadas às atribuições da administração pública, no caso por meio da Secretaria de Estado da Cultura, como a definição de demandas prioritárias e a prestação de contas. Por conseguinte, a realização dos eventos no mês de setembro, durante a campanha eleitoral, certamente possibilitou a difusão de imagem positiva do então candidato à reeleição, o Sr. Ricardo Vieira Coutinho, mediante a utilização da máquina administrativa”, afirma a PRE/PB.
Na ação, o MPF explica que as Plenárias da Cultura ocorreram em período vedado, ou seja, dentro do lapso de três meses anteriores às eleições de 2014. “Foi utilizada a estrutura do Estado em dissonância com a finalidade pública que deveria sustentar a postura do Governo, configurando prática de abuso de autoridade, o que deve ser firmemente combatida a fim de se tutelar de forma eficiente o equilíbrio da disputa e a legitimidade do pleito”.
Secretaria de Educação – A Aije também está fundamentada em investigação que partiu de material enviado pelo juízo da 72ª Zona Eleitoral, consistente em kits escolares distribuídos pela rede pública estadual de ensino. Durante as análises, verificou-se que o programa de distribuição gratuita de livros e materiais escolares foi instituído ainda em 2011, o que não caracterizaria, a princípio, a conduta vedada disciplinada no artigo 73, parágrafo 10, da Lei n.º 9.504/95. No entanto, coincidência ou não, justamente no ano eleitoral, a distribuição não foi realizada no início do período letivo, como logicamente deveria ocorrer.
Em depoimentos, foi afirmado que os kits escolares estavam sendo disponibilizados em junho, julho, agosto e setembro de 2014, já nas proximidades do primeiro turno das eleições. Como os cadernos continham a frase “para sua vida ficar melhor, o governo faz diferente”, na capa foi colocado um adesivo, após a confecção, para cobri-la. A frase é marca do governo do Estado da Paraíba utilizada pelo próprio governador e, se não estivesse ligado à promoção político pessoal do candidato, não haveria motivo para a preocupação em contratar etiquetas, motivo pelo qual houve o seu conveniente emprego de forma abusiva e marqueteira com usufruto da máquina pública.
A gravidade da conduta é acentuada a partir do descumprimento dos prazos de entrega e por considerar que o material foi distribuído em todo o Estado da Paraíba, atingindo um expressivo número não só de alunos mas de famílias, proporcionando uma nítida situação de privilégio para a chapa política ora representada em detrimento dos demais candidatos ao cargo de Governador do Estado.
Na ação, o Ministério Público explica que as etiquetas foram contratadas em 27 de agosto de 2014, já em plena campanha eleitoral e bem após a contratação dos kits (firmado em 2 de janeiro de 2014, com prazo de entrega de 24 a 31 de março de 2014 ). “O mencionado fato proporciona uma situação privilegiada para o candidato. Acrescenta-se que não houve o cuidado esperado para se evitar a publicidade e muito menos qualquer justificativa plausível para a distribuição de material escolar bem após o início do ano letivo e justamente em período de campanha eleitoral”, ressalta a PRE/PB.
No caso dos autos, a distribuição bem após o início do ano letivo, durante a campanha eleitoral, fez com que a publicidade exorbitasse a sua função de informar os atos da administração e do legítimo interesse comunitário.
Nomeações e contratações – Em cinco procedimentos, a PRE/PB apurou fatos envolvendo o uso de servidores públicos na campanha eleitoral do candidato reeleito, bem como o uso eleitoreiro de nomeações e contratações de servidores públicos realizadas pelo governo do Estado. Para o Ministério Público, não se vislumbra indício de justa causa para as demissões ocorridas, havendo substituição no quadro de servidores antes mesmo do término do vencimento dos contratos temporários firmados.
Por motivos de apoio político, houve registros de substituição de prestadores de serviços das escolas estaduais de São José da Lagoa Tapada (PB); a contratação de servidores sem qualquer processo seletivo em Piancó (PB); a denúncia do Conselho Regional de Medicina do Estado da Paraíba de afastamento de médicos de suas atividades perante a administração pública estadual por motivos políticos; e exonerações sumárias e informais de diversos prestadores de serviços de escolas (noticiado pela Promotoria de Justiça Cumulativa de Serraria). Segundo a ação, conforme informações do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, “no ano de 2014, foram admitidos cerca de 3.405 servidores e prestadores de serviços, com a consequente exoneração de cerca de 5.935 servidores e prestadores de serviços”.
A ação cita ainda declaração do candidato à reeleição, divulgada pela imprensa local, de que seria natural a troca no quadro de servidores diante do rompimento da aliança até então mantida com o seu principal opositor na campanha, o então candidato Cássio Cunha Lima, o que vai conferindo contorno de desvio de finalidade nos atos administrativos. Para o MPF, as condutas configuram abuso de autoridade e o abuso de poder econômico.
Utilização de programas de governo – No tocante ao uso de programas sociais pelo governo do Estado da Paraíba, como o Programa Empreender-PB, programa de microcrédito destinado a empreendedores paraibanos, a PRE/PB aponta um vasto rol de irregularidades, que demonstram não existir nenhum tipo de controle e cobrança de parcelas inadimplidas.
O contexto fático revela não só o desvio no programa de empréstimo, caracterizador do abuso de poder político, mas também o desbordamento no uso de recursos patrimoniais que estavam sob a gestão do administrador, o que configura ainda o abuso de poder econômico. A gravidade dos fatos ganha contorno quando se observa o montante liberado no ano eleitoral comparando com o ano de 2013. De 2013 para 2014 houve um incremento de cerca de 57,41% no total gasto. Ainda, observa-se que em julho de 2014, já em campanha eleitoral, houve um aumento de cerca de 117,51% na concessão de crédito com relação ao mês de junho. Em agosto, o valor liberado ficou compatível com o montante concedido em julho.
Já com relação à quantidade de beneficiários houve um aumento de cerca de 57,15% com relação ao ano de 2013. No ano eleitoral, de junho para julho o incremento foi de cerca de 63,14%. Em agosto, também de 2014, o número sofreu mais um acréscimo de cerca de 20,97%. Ainda de acordo com os dados, em setembro de 2014, o quantitativo beneficiado só perdeu, quando comparado com o ano de 2013, para o mês de dezembro.
Na Aije, o Ministério Público menciona irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, com relação ao exercício 2012 – ano calendário de 2011. São apontadas falhas na fiscalização e gestão do programa; não funcionamento do Comitê Gestor; liberação de recursos independentemente da contra apresentação de despesas, bem como o descumprimento das exigências editalícias, com a prática de juros distinta da prevista no edital; a não seleção dos candidatos com base nos requisitos publicados; e a ausência de gestores técnicos para o acompanhamento perante os tomadores de empréstimo até o pagamento total do financiamento. Quanto aos empréstimos concedidos a pessoas físicas, houve a constatação de que essa modalidade não constava do edital e que, portanto, não houve a devida regulamentação em edital. Ainda, foram identificados contratos com parcelas vencidas.
“Em que pese o resultado da fiscalização realizada tendo por base o ano calendário de 2011, as mesmas irregularidades foram mantidas no relatório de 2013 ano calendário de 2012”, explica a PRE/PB, completando que “o Fundo de Apoio ao Empreendedorismo na Paraíba não forneceu as informações e os documentos solicitados, impedindo a emissão de parecer conclusivo relativo à Prestação de Contas do Empreender para o exercício de 2013”. No entanto, fiscalizações empreendidas pela Controladoria Geral do Estado da Paraíba (CGE) confirmam a total falta de controle e de fiscalização, desde a aprovação dos empréstimos até a fase de acompanhamento do adimplemento contratual.
As constatações da CGE acima revelam indícios de irregularidades e de ausência de critérios e de controles na concessão, um reflexo da não implementação das ações e recomendações da própria equipe técnica, conforme acima demonstrado, o que somente serve para confirmar as razões ora expostas, no sentido de que a real finalidade era a distribuição de renda, sem qualquer preocupação com a fiscalização e com a correta aplicação dos recursos nas finalidades previstas nas normas que disciplinam o programa em testilha.
“Certamente a liberação de recursos no período das eleições trouxe uma imagem positiva para o então candidato, sendo inegável que a repercussão e o condão de irradiar consequências no próprio pleito, porquanto os eleitores contemplados com os empréstimos a fundo perdido (os indícios apontam nesse sentido) em período próximo ou concomitante ao período eleitoral, ainda que inconscientemente, inevitavelmente vinculam a obtenção do valor ao candidato promovente do programa, revertendo em seu favor o voto. No mesmo sentido, é consequência lógica a propaganda positiva no meio social por parte daquele que foi contemplado”, ressalta a PRE/PB.
Parlamento PB
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