Márcia Pinna Raspanti.
Quando nos debruçamos sobre a História do Brasil, percebemos que o problema sempre existiu entre nós, desde as primeiras décadas da colonização. O jesuíta português, Antônio Vieira, já dizia no século XVII:
“(…) Esta é a causa original das doenças do Brasil: tomar o alheio, cobiças, interesses, ganhos e conveniências particulares por onde a Justiça se não guarda e o Estado se perde. Perde-se o Brasil, porque alguns ministros de Sua Majestade não vêm cá buscar nosso bem, vêm cá buscar nossos bens…”.
Emanuel Araújo, em “Teatro dos Vícios”, destaca que os funcionários públicos, que eram mandados pela Metrópole, tinham uma relação imediatista com o Brasil. A ideia era enriquecer rapidamente e voltar para Portugal. Assim, qualquer ato ilícito era aceito, pois, seria deixado para trás nas terras coloniais. Resultado: corrupção, patrimonialismo e clientelismo na administração. Favorecer a si mesmo e aos seus, esse era o lema.
A justiça, por sua vez, não tratava todos da mesma forma. Os ricos e influentes dificilmente eram punidos por suas faltas e quando isso ocorria, as penas eram excessivamente brandas. Nem mesmo a poderosa Inquisição era igualmente rigorosa com todos os pecadores. O clero estava a serviço da elite. Ricos cristãos-novos eram poupados, enquanto a “arraia miúda” sofria castigos e humilhações.
Muitas pessoas eram processadas, presas e tinham seus bens confiscados. As punições, contudo, variavam de acordo com a condição social do “pecador”. “Um comerciante acusado de bigamia, Matias Dias, foi condenando a ir desbarretado e descalço no auto de fé, enquanto a mulata Marta Fernandes, pela mesma culpa, devia estar no auto de fé e, além disso, seria açoitada publicamente e depois embarcada para Angola onde cumpriria degredo por quatro anos”, conta Araújo.
Os militares também não ficavam atrás e abusavam de sua autoridade. Era comum que civis fossem desalojados de suas casas para dar-lhes abrigo. Recolhiam-se impostos para a construção de quartéis e alojamentos que nunca ficavam prontos…
E os negociantes? Em uma sociedade em que o importante era o ganho pessoal, comerciantes e fornecedores faziam sua próprias regras, à revelia das autoridades. As câmaras municipais tentavam, em vão, controlar os abusos nos preços gêneros de primeira necessidade. Já era detectada a ação danosa dos atravessadores, que adquiriam os produtos por quantias irrisórias e os vendiam a preços altíssimos.
Outro problema era o monopólio de determinadas mercadorias. E, como se não bastasse, os comerciantes costumavam adulterar os produtos para aumentar o lucro. Água misturada ao vinho, quantidades menores do que as anunciadas, artigos de baixa qualidade vendidos como se fossem de primeira…as manobras eram muitas e difíceis de controlar.
O cenário era realmente desanimador. A quem recorrer? Justiça, funcionalismo, militares, negociantes e clero – todos contaminados pela corrupção. A população mais pobre também seguia o exemplo e usava de todos os meios para sobreviver nessa sociedade cruel. Mesmo porque, sempre era possível tirar vantagem de alguém que estivesse mais baixo na escala social.
Como quebrar essa tradição maligna? Como combater esse mal que suga bilhões e ainda mina a confiança dos brasileiros no país? Entender as raízes históricas da corrupção, longe de minimizar os fatos mais recentes ou de nos levar ao conformismo (“sempre foi assim, não tem jeito”), pode nos ajudar a reduzir essa prática tão comum. Não existe solução milagrosa, nem salvador da pátria, como a História já nos provou. Cabe a nós rejeitarmos essa herança nefasta.
Historia Hoje
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