CNJ é composto por 15 conselheiros, que se reúnem periodicamente para analisar novas normas e processos contra juízes
Ponto polêmico da reforma do Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que enfrentou forte resistência de magistrados, antes e após sua criação, é apontado hoje por especialistas como um dos principais avanços no sistema jurídico brasileiro. É o órgão responsável pelo combate ao nepotismo e pela punição de juízes - 68 até agora -, algo antes impensável. E pela modernização e transparência do Judiciário, por meio da divulgação de estatísticas que, há dez anos, praticamente não existiam.
Hoje à frente do CNJ, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, era contrário à criação do órgão, assim como a outro mecanismo estabelecido pela Emenda Constitucional nº 45: a súmula vinculante. "Achava que a súmula tiraria a autonomia do magistrado e que o CNJ afetaria a autonomia dos tribunais e vulneraria o próprio sistema federativo", diz. "Mas hoje acho que são instrumentos positivos que contribuem para a harmonia e para a consolidação de uma magistratura nacional e para agilizar a prestação jurisdicional."
Antes mesmo de sua instalação, em junho de 2005, o CNJ sofreu seu primeiro ataque, por meio de ação direta de inconstitucionalidade (Adin) ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Mas saiu fortalecido. Por sete votos a quatro, os ministros rejeitaram o pedido da entidade e criticaram o corporativismo da categoria.
Antes do outro lado do front, a AMB tornou-se aliada do Conselho Nacional de Justiça, embora continue vigilante e crítica a suas decisões. E atua em parceria com o órgão para que o Judiciário consiga reduzir o excesso de processos e a morosidade. "Sem dúvida nenhuma, o CNJ melhorou a Justiça brasileira", afirma o presidente da AMB, João Ricardo dos Santos Costa. "Mas ficou numa zona de conforto com a instituição de metas para os juízes, que não dão resultados e alimentam uma ilusão de que se está resolvendo o problema."
As metas nacionais foram definidas pela primeira vez no 2º Encontro Nacional do Judiciário, que aconteceu em Belo Horizonte, em 2009. Ao fim do evento, os tribunais brasileiros traçaram dez metas, a principal delas a Meta 2, que determinou aos tribunais que identificassem e julgassem os processos mais antigos, distribuídos aos magistrados até 31 de dezembro de 2005. Cinco anos depois, porém, ela ainda não foi cumprida.
Para o presidente da AMB, é preciso atacar diretamente o problema, o que será feito agora por meio do Comitê Gestor da Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição, criado pela Portaria nº 198, de 5 de dezembro. Esse "núcleo de inteligência", segundo Costa, estudará as causas e consequências do mau funcionamento da primeira instância - que concentrou nove em cada dez ações em 2013 - e propor soluções, além de dar tratamento adequado às demandas de massa. "Os juízes estão trabalhando mais e não há um retorno satisfatório para a sociedade", diz.
O combate à morosidade é um dos focos da gestão Lewandowski que, ao contrário de seu antecessor, o ministro Joaquim Barbosa, pretende se dedicar menos a questões disciplinares. Outra característica de sua gestão deve ser um avanço da pauta corporativa de entidades de juízes, com quem mantém ótimas relações.
Cada presidente do CNJ imprime uma marca à sua gestão, de acordo com o conselheiro Rubens Curado. "As gestões agregam novidades, mas mantém as políticas anteriores. Isso é algo muito interessante e salutar", afirma. "Quem conhecia o Judiciário antes do CNJ, agora percebe uma mudança clara de postura, de transparência e de preocupação com qualidade do serviço prestado."
O processo eletrônico, segundo Curado, é uma bandeira que o CNJ carrega desde a gestão da ministra Ellen Gracie e que veio para acabar com a atual "cultura cartorária ". "Há muita tramitação burocrática, como se esse excesso de procedimentos fosse mais importante do que o resultado final do processo", diz o conselheiro.
A virtualização é um processo sem volta. Até 2018, todas as ações judiciais do país - em todas as esferas - deverão tramitar exclusivamente por meio eletrônico. A previsão está na Resolução nº 185 do Conselho Nacional de Justiça, que regulamenta o Processo Judicial Eletrônico (PJe), sistema desenvolvido pelo órgão e que, em tese, seria obrigatório para todos os tribunais do país. Os de pequeno porte, de acordo com a norma, devem ser os primeiros a concluir a implantação, em 2016. Os de médio e grande portes terão até 2017 e 2018, respectivamente, para acabar com o papel.
O CNJ também deu transparência ao Judiciário, por meio do relatório Justiça em Números, que está em sua décima edição. A cada ano, é possível verificar gastos, recursos humanos e litigiosidade e produtividade em cada um dos 91 tribunais do país. E chegar a uma desoladora conclusão: é progressivo e constante o aumento do acervo processual - média de 3,4% por ano. "Hoje nós temos dados que não tínhamos antes, fundamentais para formular políticas públicas e para a transparência", diz Flávio Caetano, secretário de Reforma do Judiciário.
O órgão também implantou a cultura dos mutirões - como o carcerário e a Semana Nacional da Conciliação - e passou a gerenciar projetos. "Acabou-se com aquele dogma de que o sistema penitenciário é problema do Executivo. Quem coloca e quem tira gente lá é o Judiciário, que não pode permitir que uma pessoa permaneça em condições degradantes", afirma Curado.
Para o professor Joaquim Falcão, diretor da FGV Direito Rio e ex-conselheiro do CNJ, porém, a execução de projetos não deveria ser uma função do órgão. "Não é um órgão de caráter executivo ou gerencial. Sua competência é para criar regras e fiscalizar se os tribunais estão cumprindo."
Valor Econômico
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