Márcia Pinna Raspanti.
Pais, mães e educadores estão perdidos: não sabem o que fazer
com as crianças e adolescentes. Falta de limites, desrespeito ao próximo,
consumismo desenfreado, agressividade, apatia nos estudos e uma incapacidade
absoluta em lidar com palavra “não” são as principais queixas. Os adultos são
tiranizados pelos pequenos, mas parecem incapazes de reagir, fazendo todas as
vontades de seus filhos, mesmo conscientes de que isso não lhes traz nada de
bom.
O problema é antigo. Estrangeiros que visitaram o Brasil nos
períodos colonial e imperial relatavam que o excesso de “mimos” era comum. Mary
del Priore indaga: “Como fazer uma criança obedecer a um adulto, como queria a
professora alemã, Ina von Binzer, que vai, na segunda metade do século XIX, às
fazendas do vale do Paraíba ensinar os filhos dos fazendeiros de café, quando
esses distribuem ordens e gritos entre os escravos? E não eram apenas as
crianças brancas que possuíam escravos. Crianças mulatas ou negras forras, uma
vez os pais integrados ao movimento de mobilidade social que teve lugar na
primeira metade do século XVIII, tinham também seus escravos. Muitas vezes, os
próprios parentes ou até meios-irmãos! Na sociedade escravista, ao contrário do
que supunha a professora alemã, criança mandava e o adulto escravo obedecia”.
Em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis,
através do narrador, mostra como o personagem, filho de família abastada,
interagia com o escravo. ”Prudêncio, um moleque de casa, era o meu cavalo de
todos os dias; punha as mãos no chão, recebia um cordel nos queixos, à guisa de
freio, eu trepava-lhe ao dorso, com uma varinha na mão,fustigava-o, dava mil
voltas a um e outro lado, e ele obedecia, – algumas vezes gemendo, – mas
obedecia sem dizer palavra, ou, quando muito, um –‘ai, nhonhô!’ – ao que eu
retorquia: -‘Cala a boca, besta!”.
Segundo Mary del Priore, os viajantes estrangeiros não
percebiam nenhum esforço educativo por parte das mães. Os pequenos davam a
impressão de reinar absolutos, e não havia autoridade que se impusesse sobre
eles. No entender dos estrangeiros, eram seres não socializáveis. Anjos
inocentes na verdade mascaravam pequenos selvagens que sobreviviam graças à
tolerância dos adultos. Cresciam malcriados, não importando a condição nem a
cor. Para norte-americanos e ingleses, a condição das crianças era o espelho
dos males que atingiam o Brasil à época: “indolência, orgulho, sensualidade e
egoísmo” eram “as consequências da escravidão que acabaram escravizando os
inventores do cativeiro e seus filhos”. Mulheres sem educação resultavam em
filhos idem, criticavam.
James Wells, em 1866, deixou seu depoimento: “Gritam à menor
provocação, mordem, arranham e ainda insultam as pacientes negras que cuidam
deles. Às lamúrias da mãe do tipo: Ai! Meu Deus!… Não faça isso meu bem. Não
chora benzinho. Ah! Meu Deus!… o pequeno redobrava a gritaria e era levado
chutando e mordendo”. Não foi o único. Em 1852, Carlos Saenz de Tejada
Benvenutti escrevia a um amigo, descrevendo a filha do patrão: “Essa senhorita
que tem oito ou nove primaveras está sempre chorando e gritando e só silencia
quando uma escrava coça-lhe as costas ou quando brinda o irmãozinho com socos e
pontapés”.
Hoje, podemos assistir a cenas semelhantes em qualquer lugar:
gritos, impropérios, choradeira, chutes e tapas são comuns em crianças
pequenas. Os mais velhos, muitas vezes, fingem ignorar os adultos ou respondem
de maneira monossilábica. Isso quando não soltam um palavrão ou resposta mal
educada. No lugar dos escravos, professores, babás, empregadas domésticas, e
até pais e mães, são os subjugados.
Em meio a este cenário, vejo os pais passivos e sem coragem
de contrariar seus filhos. Por quê? Sentimento de culpa, omissão ou falta de
iniciativa? Outro dia, em uma cafeteria, ouvi uma mãe ao telefone, muito
nervosa, brigando com a diretora da escola de sua filha porque a menina havia
tirado nota baixa. “Um absurdo”, dizia. “Pagamos escola para que ela aprenda e
não para que fique frustrada. A professora não lhe deu a atenção necessária”,
acusava. Depois, ficou sabendo que a menina não havia feito a prova. “Se não
fez, foi porque não foi avisada. No ano que vem, vou procurar outra escola”,
ameaçava.
O que dizer em uma situação dessas? Fiquei pensando: como
criar adultos responsáveis e que respeitem o próximo com este tipo de postura?
Como essas crianças irão se adaptar ao mundo adulto? Queremos novas gerações de
senhores de escravos?
Historia Hoje
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