terça-feira, 4 de junho de 2013

Sonhos, desejos e esperança!



Antonio Ozaí da Silva

A Utopia habita em indivíduos concretos que pensam e sentem, sofrem e se alegram, lutam e, sobretudo, nutrem a esperança. Somos capazes de imaginar o devir, de termos “sonhos diurnos”. A consciência antecipadora é própria do humano. Somos animais ansiosos, seres que se angustiam antecipadamente. Imaginamos o vir-a-ser ainda que este seja apenas possibilidade remota. Mesmo quando este se apresenta enquanto possível concreto, ficamos a imaginar “como será”, “como reagiremos”, se confirmará ou não as expectativas. De tanto pensar, sofremos por antecipação; mas também nos alegramos com a possibilidade de…

Enquanto o futuro não se concretiza, mas permanece em gérmen dentro de nós, sonhamos e desejamos. Somos seres desejantes. Desejar é querer. “Não há querer que não tenha sido precedido de um desejar”, afirma Bloch.* O querer pressupõe agir, indica um querer fazer. “Desejos nada fazem, mas eles dão a forma e retém com especial fidelidade o que deveria ser feito” (p. 51). O desejar ativo anseia, mas também pode ser angustiante e prisioneiro do medo. A esperança é expectante, opõe-se ao medo e à angústia; ela é “a mais humana de todas as emoções e acessível apenas a seres humanos. Ela tem como referência, ao mesmo tempo, o horizonte mais amplo e mais claro” (p. 77).

A esperança é um sonhar acordado. Os “sonhos diurnos” alicerçam-se em carências e na expectativa de dias melhores. É um sonhar consciente da realidade, mas insatisfeito diante dela. É um sonhar que almeja superar o que é e instituir o que pode ser. A possibilidade do novo está inscrita no ser, gesta-se no presente. A história é aberta e prenhe de possibilidades. Seu fundamento é o real materialmente concreto e contraditório. “O sonhar desperto, ou seja aberto para o mundo, sabe não se abster. Ele se recusa a se saciar ficticiamente ou ainda espiritualizar desejos. A fantasia diurna, assim como o sonho noturno, tem os desejos como ponto de partida, mas vai com eles até o fim. Quer chegar ao lugar da realização”, escreve Bloch (p. 97).

A esperança é militante, é um “afeto prático” que desfralda bandeiras. As utopias nutrem-se da esperança, a esperança é utópica. Mas utopia concebida em sua concretude, enquanto possibilidade real fundada num mundo de carência e no desejo de superação. Não é um sonhar fantasioso, desvinculado da vida real. Como ressalta Bloch: “O ponto de contato entre o sonho e a vida, sem o qual o sonho produz apenas a utopia abstrata e a vida, por seu turno, apenas trivialidade, apresenta-se na capacidade utópica colocada sobre os próprios pés, a qual está associada ao possível” (p. 145). A realidade não é estática, mas movimento contraditório em direção ao devir.

Os sonhos são instigantes. Iludem-se os que racionalizam em demasia e desconsideram a capacidade humana de sonhar, de desejar navegar por águas desconhecidas, atracar em novos portos e explorar territórios e países imaginários. A vida não se reduz à mediocridade, mesmo no mísero cotidiano o humano sonha. A vida humana tem uma amplitude que extrapola os limites do mero reproduzir-se. Sonhar e desejar talvez sejam o mais essencial ao viver. O ser humano até precisa de certa dose de ilusão, necessita superar o domínio do mero instinto animal. O humano é um ser em construção, social e historicamente. “O que caracteriza o amplo espaço da vida ainda aberta e ainda incerta do ser humano é a possibilidade de assim velejar em sonhos, que são possíveis sonhos diurnos, muitas vezes do tipo totalmente sem base na realidade. O ser humano fabula desejos”, observa Bloch (p. 194).

O mundo é inconcluso, aberto à transformação. O futuro é uma construção humana nutrida pela esperança! A efervescência utópica é própria do humano!


* BLOCH, Ernst. O princípio esperança. Rio de Janeiro, EdUERJ; Contraponto, 2005 (Vol. 1), p. 51. Todas as citações são desta obra.
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