No fim dos anos 60, Muhammad Ali, campeão mundial de boxe, categoria pesos-pesados, o pugilista que dançava nos ringues, preferiu perder tudo, interromper a carreira e amargar um período de prisão a lutar no Vietnã. Entre o sucesso e suas convicções, ele não teve dúvidas.
- Os vietcongues nunca me chamaram de crioulo – disse, lembrando o racismo no país.
Pouco depois, em 1971, Daniel Elsberg, funcionário do Pentágono, fez cópias de centenas de documentos e os repassou ao New York Times para mostrar ao público as mentiras do governo sobre a Guerra do Vietnã. O escândalo ficou conhecido como ‘Os Papéis do Pentágono’ e foi um reforço e tanto na luta dos movimentos sociais pelo fim do conflito.
Um ano depois, um agente do FBI passou a se encontrar com um repórter do Washington Post em uma garagem subterrânea de Washington para dar informações sigilosas sobre o caso Watergate. Era o ‘Garganta Profunda’, uma fonte sigilosa do repórter Bob Woodward, que só teve a identidade revelada (por iniciativa própria) nos anos 90. O caso causou a queda de Richard Nixon.
Há pouco tempo, um jovem soldado, Bradley Manning, hoje com 22 anos, escandalizado por alguns crimes de guerra de seu próprio exército no Iraque, repassou milhares de informações ao site WikiLeaks. Entre elas, um vídeo mostrando soldados disparando de helicóptero contra civis. Dois jornalistas da Reuters foram mortos.
Como são novos tempos, em que gestos assim não são compreendidos como deveriam ser, Manning está sendo julgado por um tribunal militar (pode pegar prisão perpétua ou até ser condenado à morte), e Julian Assange, o dono do site, vive exilado na embaixada do Equador, em Londres. Teme ser preso e deportado para os EUA, a partir de uma acusação claramente forjada de crime sexual na Suécia.
Felizmente, nada parece assustar gente assim. Na última semana, Edward Snowden, ex-técnico da CIA (Agência Central de Inteligência), identificou-se como o responsável pelo vazamento de dados sobre a gigantesca operação de espionagem do país a seus próprios cidadãos. As informações foram divulgadas pelos jornais The Guardian e Washington Post e revelam que mais de um milhão de norte-americanos tiveram suas comunicações monitoradas.
A iniciativa custou caro a Snowden, um engenheiro eletrônico de 29 anos. Ele abriu mão de um salário de 20 mil dólares de um emprego dos sonhos no Haiti, deixou a namorada, a família e foi embora para Hong Kong. Teme por sua segurança (o governo americano já pede sua extradição e o acusa de desertor, mesmo sendo civil), pretende pedir asilo, mas não pensa em se esconder.- Terei de me sacrificar pelo resto da minha vida – disse, mas reafirmou que vale a pena.
Ali, Elsberg, Garganta Profunda, Manning, Snowden, entre tantos outros.Tenho um profundo respeito por estes norte-americanos.Para eles, liberdade e democracia não fazem parte apenas dos discursos, mas são direitos que devem ser defendidos. Recusam-se a compactuar com a hipocrisia aguda destes tempos.
Eles defendem estes valores, mesmo com riscos pessoais. São os verdadeiros heróis. As medalhas deveriam ser entregues a eles.
Sul 21
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