quarta-feira, 5 de junho de 2013

O empresariado nacional,à sombra do Estado


O empresariado nacional, sempre à sombra do Estado


por Igor Grabois

Uma das acusações disparadas contra o governo federal trata da escolha de “campeões nacionais” no empresariado, turbinados com fartos financiamentos do BNDES. A questão é que esses campeões já receberam a sua taça há um bom tempo, na maioria das vezes no período da ditadura militar. A maioria dos grandes grupos empresariais do Brasil que sobreviveram à revolução tecnológica e à internacionalização das cadeias produtivas cresceu à sombra do Estado, seja nas grandes obras de infraestrutura, nas concessões de serviços públicos ou nas privatizações.

Por que esses grupos se desenvolveram e outros, fruto do mesmo processo histórico, desapareceram ou sobrevivem com uma atuação marginal? Sagacidade empresarial? Capacidade de trabalho dos seus controladores? Clarividência de seus fundadores?

Nessa história, as diferenças entre burguesia e estado e política e mercado se dissolvem. O grande indutor da acumulação de capital no Brasil tem sido o Estado. O grande financiador da indústria e dos serviços industriais é o BNDES. A Petrobrás, desde a sua fundação na década de 50, tem sido a principal indutora da indústria de máquinas e equipamentos no Brasil. O Estado garantiu energia barata, através da Eletrobrás, e aço a preços de ocasião, com as siderúrgicas estatais, durante décadas a fio.

Nos grandes saltos industriais, principalmente nos governos JK e na ditadura, permitiram a formação dos oligopólios, que desde então, têm dado a tônica na economia brasileira. O BNDES, nessa nova fase de sua atuação, encontrou um cardápio pronto de empresas com capacidade de absorção de tecnologias, formação empresarial e capacidade de realizar a concentração de capital.

Os conglomerados formados em torno das grandes empreiteiras da construção pesada são o exemplo acabado da centralização e concentração de capital no Brasil. Odebrecht, Camargo Correia, Andrade Gutierrez, CR Almeida, Queiroz Galvão, para citar as principais em atividade, deram seu grande salto nas grandes obras do período da ditadura. Itaipu, Tucuruí, as usinas nucleares de Angra, Transamazônica, Ferrovia do Aço fizeram dessas construtoras, todas com atuação restrita regional, grandes players internacionais das obras de infraestrutura.

A Odebrecht, segundo a história contada pela própria empresa, cresceu graças às suas relações com a Petrobrás, construindo, inclusive o seu edifício-sede, depois do golpe de 64. A Odebrecht construiu Angra 1, o Aeroporto do Galeão e esteve na raiz do Pólo Petroquímico de Camaçari. A implosão da capacidade de financiamento do Estado no Brasil produziu um período de vacas magras de grandes obras. A Odebrecht se voltou para a Petroquímica, se beneficiando da privatização da Petroquisa, holding dos negócios petroquímicos da Petrobrás, engolindo quase todo o setor a partir dos anos 90.

Hoje a Odebrecht realiza obras públicas no exterior, principalmente na América do Sul e na África, seguindo os passos da política externa do governo. Tem ramificações nos setores do etanol, construção popular – construindo no programa Minha Casa, Minha Vida – saneamento, exploração de óleo e gás, energia elétrica, portos, ferrovias, rodovias, construção naval, supermercados em Angola, seguros. A novidade é a Odebrecht Defesa e Segurança, dona da Mectron, produtora de mísseis de São José dos Campos.

A Camargo Corrêa construiu a Tranzamazônica, a Linha Norte-Sul do Metrô de São Paulo, entrou no ramo do comento, insumo fundamental da construção pesada. Nos anos 90, na falta de grandes obras, criou a CCR, junto com a Andrade Gutierrez, e passou a gerir a Via Dutra e a ponte Rio-Niterói. É dona, junto com o grupo Votorantim, da CPFL, braço de eletricidade da Camargo Corrêa. Com a Queiroz Galvão, criou o estaleiro Atlântico Sul, entrando de cabeça na renovação da frota da Transpetro. Tem ramificações na área têxtil e de construção de moradias.

A Andrade Gutierrez segue trajetória similar. Empreiteira de grandes obras na ditadura, comprou um naco do antigo Sistema Telebrás, formando a Telemar, associada ao grupo La Fonte, de Carlos Jereissati. A Telemar virou Oi, depois de engolir a Brasil Telecom, contando com financiamento do BNDES para tal. A CR Almeida, depois de construir grandes estradas, passou a geri-las, com a Ecovias, concessionária do sistema Imigrantes-Anchieta.

As grandes construtoras têm uma história em comum. Deram seu grande salto na época da ditadura. A história dos desmandos e da corrupção das grandes obras da ditadura ainda está por ser contada. Todas essas empresas apoiaram entusiasticamente o regime militar. Na crise das décadas de 80 e 90, se apropriaram das empresas estatais nas privatizações. Hoje, acompanham os programas governamentais, obras do PAC, da Copa, hidrelétricas da Amazônia, pré-sal, concessões rodoviárias, portuárias e de aeroportos, compras de material bélico. Se espalham pela indústria de transformação e nos serviços.

A concentração de capital atinge outros setores. O Ministro Delfim achou, no período Médici, que o Brasil tinha bancos demais. E iniciou o processo de concentração bancária, que resultou em apenas dois grandes bancos comercias privados, Bradesco e Itaú. Ambos engoliram a maioria dos bancos estaduais liquidados pelo Proer de FHC e Malan. O Bradesco cresceu engolindo diversos bancos regionais na década de 70. Amador Aguiar, seu fundador, foi contumaz colaborador do regime, inclusive dos órgãos da repressão política. O Bradesco esteve no centro de privatizações, como a da Vale e do setor siderúrgico. Bradesco e Itaú são os grandes fornecedores de crédito da expansão recente do consumo, fonte da rentabilidade recorde desses bancos.

O modelo do agronegócio, que transformou o Brasil em um grande exportador de grãos e de proteína animal, também foi gestado na ditadura. Na ausência de uma reforma agrária, a agricultura integrada com a indústria, com participação intensiva do capital estrangeiro, tornou dominante. BRF e Friboi são fruto dessa história. A produção agropecuária brasileira é intensamente verticalizada, com grupos empresarias originários da expansão da fronteira agrícola na década de 70, na base de incentivos fiscais e concentração fundiária.

Pode-se falar dos grupos de mídia eletrônica. Afinal, todos eles são concessões sob a égide do Ministério das Comunicações, de Rômulo Furtado a Paulo Bernardo e são fruto do modelo de grandes redes. Mas esses cospem no prato em que ainda comem.

Alguns setores que se desenvolveram na ditadura não conseguiram passar na prova de fogo da universalização do capital. O setor de autopeças, desenvolvido a golpes de financiamento estatal, não resistiu à internacionalização das cadeias de fornecimento das multinacionais do automóvel. A indústria de eletrônicos de consumo morreu vítima de sua criação, o campo de sonegação fiscal oficializada que é a Zona Franca de Manaus.

Os grupos empresariais que sobreviveram e se consolidaram foram os que se imbricaram com Estado. Moldaram as políticas e confundiram seus interesses com os interesses nacionais. Isso é fato mesmo quando se lança a cortina de fumaça ideológica do Estado Mínimo e das privatizações. O novo momento da acumulação de capital, em que parece existir uma divisão de tarefas entre governo e empresas, beneficia os mesmos que tiveram sua arrancada nas trevas dos anos de chumbo. Eike Batista é uma exceção, não tão exceção assim. Suas raízes estão na Vale, ainda estatal.

Da ditadura aos governos do PT, passando por Sarney, Collor e FHC, há uma linha de ruptura e continuidade. Os sucessivos governos vão cumprindo tarefas necessárias para que a acumulação de capital se dê em patamares cada vez mais elevados.

Viomundo

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