José Geraldo Couto
Candidato ao Oscar, melhor filme de Alexander Payne satiriza país paralisado na economia e mentalidades, mas também reflete sobre velhice, solidão e passagem do tempo
Se as relações familiares esgarçadas e os personagens meio perdidos são o tema preferido do diretor e roteirista Alexander Payne (Ruth em questão, As confissões de Schmidt, Sideways), e se o road movie é seu gênero por excelência, em Nebraska ele está em seu elemento. É, provavelmente, seu melhor filme.
O ponto de partida dessa jornada geográfico-existencial é ao mesmo tempo cômico e comovente: em Billings, Montana, Woody Grant (Bruce Dern), um teimoso e alcoólatra octogenário à beira do Alzheimer recebe um desses folhetos de propaganda que dizem “Você ganhou US$ 1 milhão”. Só que ele acredita – e resolve buscar pessoalmente seu prêmio em Lincoln, Nebraska, a 1.100 km de distância.
Depois de tentar convencê-lo do engano e demovê-lo do insano projeto, o filho mais novo de Woody, David (Will Forte), acaba viajando junto com o pai, como modo de conviverem um pouco antes de o velho perder totalmente o juízo.
Sátira e melancolia
O que vem a seguir é uma bela viagem, em que Payne equilibra com notável segurança a sátira da estupidez da América profunda (à maneira dos irmãos Coen) e uma melancólica reflexão sobre a velhice, a solidão e a passagem do tempo. No country for old men seria um bom título, se já não tivesse sido usado.
Não convém antecipar aqui os incidentes e acidentes desse percurso, mas apenas indicar que, a par da contraditória relação pai-filho, Payne retrata em rápidas e sutis pinceladas a estagnação da economia – e da mentalidade – dos EUA, em que os cidadãos de várias gerações parecem estar sempre sentados diante da televisão ou de uma garrafa de cerveja (ou de ambos) enquanto falam sobre modelos de automóvel e sua potência passada ou presente.
Mas não se trata de uma caricatura chapada: cada personagem, dos protagonistas ao mais efêmero coadjuvante, tem relevo, sombras e desvãos insuspeitados.
Horizonte sem fim
Tudo se harmoniza à perfeição nesse drama temperado com humor, mas duas coisas se destacam. Uma delas, que chama a atenção desde o primeiro fotograma, é a matizada fotografia em preto e branco e de foco profundo, em Panavision, num formato mais horizontal que o de costume, bem apropriado ao filme de estrada e condizente com a melancolia predominante. As cidadezinhas do interior, com suas construções de no máximo dois pavimentos e suas largas avenidas empoeiradas e quase desertas, praticamente pedem essa horizontalidade da imagem, lembrando a atmosfera de decadência da Anarene de A última sessão de cinema (Peter Bogdanovich, 1971).
Outra virtude notável de Nebraska é o elenco, em especial os atores veteranos: Bruce Dern, excepcional na rabugice de seu personagem; June Squib, atriz até hoje pouco valorizada que rouba todas as cenas em que aparece, no papel de mulher do protagonista; e Stacy Keach, protagonista da obra-prima Cidade das ilusões (John Huston, 1972), aqui defendendo com riqueza de nuances o papel do ex-sócio traiçoeiro de Woody Grant. Só por eles já valeria essa viagem a Nebraska.
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