Samba do Crioulo Doido
Ademir Alves de Melo*
A histórica é pródiga em exemplos do papel do anarcosindicalismo no socavamento das lutas sociais organizadas. Que digam os patriotas espanhóis quantos problemas foram criados por essa corrente político-social pequeno-burguesa, hostil a todo poder, inclusive ao dos trabalhadores. Não é atoa que o lema que consagrou o anarcosindicalismo e os anarquistas em geral é “si hay gobierno soy contra!”. Geralmente, os seus ideólogos e dirigentes são extraídos dessa camada social que vive o dilema crucial do rebaixamento à condição social inferior ao tempo em que aspiram ascender à antessala das classes dominantes onde, objetivamente, são barrados no processo de mobilidade social. Tornam-se então revoltados, e procuram uma causa para justificar a sua revolta.
Na prática, contrapõem os interesses da pequena propriedade privada e da produção agrícola familiar ao progresso da sociedade apoiada na grande produção. Por isso, impõem-se como patrocinadores dos pobres e desamparados no seu caminho para a libertação, numa versão messiânica dos mais atrasados movimentos sociais de contestação ao domínio do grande capital.
A base filosófica do anarquismo é o individualismo, o subjetivismo, o voluntarismo. O anarquismo não vai além das frases gerais contra a exploração, porque não compreende quais as causas da exploração, nem a luta de classes como força criadora para a realização das grandes conquistas sociais dos trabalhadores. A negação anarquista da luta política contribui objetivamente para que a classe trabalhadora se subordine à política das classes dominantes. Mas, o mais importante na luta do anarquista é a sua concepção em como proceder nos movimentos sociais diante do Estado, e a própria visão que têm do Estado. É que os anarquistas propugnam pelo aniquilamento imediato do Estado, a par das circunstâncias históricas adversas em que atuam, desdenhando com sarcasmo das possibilidades de aproveitar a democracia burguesa para preparar os trabalhadores no seu desígnio histórico de assumir o comando do Estado a serviço das grandes maiorias.
A partir da assunção do PT ao governo de construção nacional-desenvolvimentista, que arrastou consigo a nata dos dirigentes sindicais para assumir cargo de responsabilidade institucional, ficou um vazio de lideranças nos sindicatos dos docentes de ensino superior, em particular, logo ocupado por sequazes do Trotsky-anarquismo. Durante onze meses do ano estes dirigentes dedicam-se a participar de intermináveis reuniões temáticas locais, regionais, nacionais, encontros e congressos das mais variadas espécies, quase sempre que tratam de questões subalternas às determinações mediatas dos problemas a enfrentar. Pouco antes do período do dissídio coletivo entram em frenesi na preparação da greve anual. Greve fácil de ser convocada e conduzida, até porque sempre com a garantia do pagamento dos salários e vantagens pessoais dos grevistas. Fieis aos seus princípios, eludem, em cada oportunidade em sentar à mesa de negociação, e quando o fazem sempre usam de expedientes procrastinadores para impedir um acordo, pois isso “desmobilizaria a categoria”, convocada à paralisação em assembleias esvaziadas e ilegítimas. Demais, qualquer acordo no curso de uma paralisação em curso significaria quitar-lhe o fluido existencial, a essência dos seus fins.
Muitas foram as oportunidades perdidas de fechar acordos vantajosos para a categoria, inclusive na grande paralisação de 2012, por pirraça desses dirigentes que sequer têm a grandeza de fazer autocrítica, porque se inspiram na mitologia grega, segundo a qual Narciso acha feio o que não é espelho.
Depois de anos de desvarios, apareceu um novo sindicato nacional que, segundo dizem, já controla a metade das entidades nacionais afins, o PROIFES. Mas este já nasceu sob o signo da simbiose sindico-governamental, onde se torna tênue a diferença entre os interesses definidos a defender no movimento e as linhas estratégicas de governo.
Na Paraíba, o PROIFES sequer chegou a nascer, pois já veio ao mundo natimorto. Mais até, destituído de corpo e alma, ou seja, sem aderentes nem ideias a disseminar. Circulou por algum tempo na pessoa de quem se apresentou como seu representante e no celular institucional que carregava a tiracolo. Nas assembleias, mostrava-se como um todo resumido à individualidade.
De um lado, as correntes anarcosindicalistas destruíram o sindicato docente da UFPB, transformando-o em um alegre clube social; de outro, os mensageiros de mudanças restringiram o seu quefazer às benesses conferidas por um sindicato nacional que não se despega das tetas do MEC, por seus fundamentos. Os primeiros detestam o Estado; os segundos fundem os interesses dos trabalhadores com os ditames do Estado. Como diz Alexandre Guedes: tome samba do crioulo doido.
* Professor doutor do Centro de Ciências Jurídicas da UFPB
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