Michel Zaidan: Toinhé, João Grilo e os moinhos de vento da globalização
Segundo o carnavalesco Sávio Araujo, responsável pela confecção do “Galo da Madrugada”, a ideia de vestir o “Galo” com a fantasia de Dom quixote de La Mancha era a simbolização da resistência da cultura popular nordestina contra a globalização da cultura. Daí a importância de ícones como Antonio Carlos Nóbrega e Ariano Suassuna, ambos nomes remanescentes do antigo “movimento armorial”. Não deixa de ser curiosa a justificativa do carnavalesco para encomenda oficial da Prefeitura da Cidade do Recife: é preciso embalar o principal produto turístico da municipalidade recifense com o papel exótico do folguedo popular.
Há muito tempo que o carnaval, o São João, o espetáculo da Paixão de Cristo e o Natal deixaram de ser festividades do calendário litúrgico e pagão para se transformar em “espetáculos” comerciais, ora patrocinados pelas cervejarias, pelos poderes governantes, pela mídia televisiva e outras empresas. Para quem não sabe, o carnaval do Rio de Janeiro é vendido, por antecipação, em DVD aos interessados nas beldades cariocas e da televisão por conhecida emissora de TV. O que há nessas manifestações é aquilo que um famoso antropólogo chamou de “sorriso do morto”, não mais a presença viva das manifestações populares.
A propósito, existe algo mais surpreendente do que a disputa pelos diversos maracatus do Recife pelos escassos recursos distribuídos pela Fundação de Cultura do Recife, para a proeza de se apresentarem no início do carnaval, todos juntos indiferenciadamente, sob a batuta de um percussionista midiático? = Coitadas das nações afro-descendentes representadas por esses espetáculos, perderam a identidade africana em troca de uns míseros reais…
Se o Carnaval quisesse mesmo recuperar suas verdadeiras raízes sócio-antropológicas, e não um mero palco para as autoridades e celebridades momentâneas, seguiria a lição dos antigos, da lei da inversão, onde o que está em cima vai para baixo, e o que está embaixo vai para cima. Há no carnaval, uma revolução simbólica, uma transgressão mítica, saturnal, dionisíaca, que derruba os poderes e coloca o populacho no andar de cima.
Mas como diria o nosso poeta, o carnaval que nós esperamos há muito tempo é o carnaval da revolução social, das transformações sociais, da mudança social – muito para além da inserção consumista dessa nova classe média, do reinado de Dilma. Enquanto este carnaval não vem, vão as elites fazendo o seu cortejo triunfal na avenida, pensando que o seu reinado é eterno, que o povareu vai sempre, no andar de baixo, dizer amém. amém, amém….
(Publicado originalmente no Blog de Jamildo)
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