Lais Fontenelle Pereira
Ao formar consumidores precoces, publicidade infantil inibe outras maneiras de socialização e sugere: relações humanas precisam ser validadas por mercadorias…
No dia 15 de março comemorou-se o Dia Internacional dos Direitos do Consumidor. Nessa mesma data, em 1962, o então presidente dos EUA, John F. Kennedy, enviou uma mensagem ao congresso norte-americano chamando atenção da sociedade para garantias básicas, até então pouco conhecidas e negligenciadas como o direito de proteção contra propagandas e embalagens fraudulentas, o direito de escolha e informação frente aos produtos e o direito de ser ouvido.
A mensagem deixava evidente a urgência da questão. Porém, a primeira comemoração da data se deu em 1983, e foi somente dois anos depois que a ONU reconheceu os direitos dos consumidores, legitimando internacionalmente a causa. Já no Brasil, o Código de Defesa do Consumidor, um dos mais completos e ousados do mundo, entrou em vigência em 1990, dois anos após a promulgação da atual Constituição Federal, e pode ser visto como resposta do poder público aos anseios da sociedade civil em relação aos avanços desgovernados da sociedade de consumo.
Curiosamente, é também dos anos 90 que muitos autores datam a crise conceitual da infância, pois foi quando as crianças, historicamente vistas e tratadas como um vir a ser que precisavam ser preparadas para o mundo adulto, foram elevadas pelo mercado ao status de consumidoras – antes mesmo de poderem exercer plenamente sua cidadania. Tidas até então como filhas de cliente, as crianças passaram a ser consideradas como consumidoras finais, tornando-se um alvo importante do mercado de consumo de produtos e serviços – um potencial nicho comercial.
Foi nesse contexto que a publicidade dirigida às crianças entrou em cena com grande força. Passou a endereçar ao público infantil mensagens de apelo ao consumo, que se aproveitam da vulnerabilidade infantil para vender. Tornou-se, segundo pesquisa da Intersciense, de 2003, a principal influência de compras dos produtos infantis com embalagens e personagens famosos. Hoje, contudo, a publicidade não endereça às crianças somente mensagens de produtos infantis, mas também de objetos adultos. Isso deve-se ao fato deste público estar sendo encarado pelo mercado como porta de entrada para a influência nos hábitos de consumo de toda a família.
Dados mundiais a esse respeito apontam que a influência das crianças nas compras realizadas pela família chega a 80% em relação a tudo o que é consumido, inclusive em relação a bens e serviços de interesse exclusivo dos adultos, como, por exemplo, marcas de automóvel, imóveis, produtos de limpeza etc. No Brasil, só a moda infanto-juvenil movimenta a soma anual de R$10 bilhões, o que corresponde a um terço de toda a roupa consumida no país.
A partir desses dados podemos dizer que o mercado enxergou nas crianças uma rentável fonte de lucros, já que quanto mais cedo você fideliza a criança a uma marca, mais chances tem dela ser fiel à mesma do berço ao túmulo, como dizem os publicitários. Assim, aproveitando-se da fragilidade e vulnerabilidade infantil, o mercado passou, então, não somente a atrair os olhares das crianças, como a dirigir-se diretamente a elas com peças publicitárias feitas “sob medida”.
Não foi à toa, portanto, que o Código de Defesa do Consumidor Brasileiro previu proteger as crianças de apelos de consumo, instituindo no Art. 37: “É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva (…)”, e explicando no seu parágrafo§2º que “É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. (…)”.
As crianças são convidadas pela publicidade – que lhes é ilegalmente dirigida – a ingressar cada vez mais cedo no complexo mundo adulto do consumo. A lógica do consumo domina as relações infantis e acaba restringindo a criatividade e as trocas afetivas das crianças, além de queimar etapas importantíssimas do seu desenvolvimento.
A criança será, em função do tempo em que vivemos, uma consumidora no futuro. Logo, além de protegê-la legalmente da comunicação mercadológica, como já fizeram 28 países do mundo, incluindo os dez com melhor qualidade de vida –,precisamos prepará-la para que seja uma cidadã e consumidora consciente e responsável. Isso é feito com Educação, principal ferramenta no processo de transformação social. Lembre-se: educar, assim como consumir, é um ato político.
Precisamos começar a educar nossas crianças para que tenham responsabilidade ao comprar. O direito à educação para um consumo consciente é não só um desafio, como também a solução para os problemas morais e ambientais de nossos tempos.
O principal direito das crianças é o direito à infância. Pensemos no direito de escolha e de proteção de nossas crianças frente ao bombardeio publicitário que as convida a tornar-se adultas antes do tempo. Elas são o prefácio para um mundo mais ético e sustentável, e têm nas mãos o poder de reinventar as relações de consumo. Tudo depende de vontade política e atuação conjunta em duas frentes: regulação e educação.
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