Embora seja difícil de rotular, é possível perceber algumas tendências que estão em voga na literatura brasileira
Marina Rossi
Para se diferenciar da literatura europeia, os romances brasileiros, que começaram a surgir na primeira metade do século 19, eram escritos com grandes doses de regionalismo, nacionalismo, exaltação da terra e das características naturais de um país que tinha acabado de declarar a sua independência. Embora esse regionalismo venha permeando a literatura brasileira através dos séculos, hoje é difícil apostar em uma característica específica que marque os romances produzidos por aqui.
Porém, se tratando da literatura moderna, existem sim algumas tendências que estão ocupando maior espaço nas prateleiras das livrarias. Alguns dos escritores da geração nascida por volta da década de 1960, e que começaram a publicar livros nos anos 90, têm, por exemplo, algumas características definidas pela vivência no período da ditadura brasileira (entre os anos 1960 e 1980) que estão presentes em muitos dos seus romances.
"Toda a nossa juventude foi vivida durante o regime militar. E parte dessa experiência influenciou a nossa literatura", afirma o escritor amazonense Milton Hatoum, de 61 anos, autor de Dois Irmãos, eleito por uma pesquisa do jornal Correio Braziliense como o melhor romance dos últimos 15 anos, e Cinzas do Norte, vencedor do prêmio Portugal Telecom de Literatura.
Um exemplo que ilustra bem a teoria de Hatoum, é o livro O Filho Eterno (2007), do escritor Cristovão Tezza. No romance, que recebeu os prêmios São Paulo de Literatura, Portugal Telecom e Jabuti, Tezza narra a própria história, de quando tinha seus 30 e poucos anos e vivia no período da ditadura brasileira. O personagem central é surpreendido pela gravidez da esposa. E a surpresa se torna maior quando ele descobre que seu filho tem Síndrome de Down. Entre a militância na política e o início da carreira de escritor, o autor narra na ficção - e sem nenhuma autocensura - as dificuldades reais em aceitar e conviver com a criança.
Misturar sua própria história a uma ficção é, aliás, outra tendência. Chamado de autoficção, o gênero combina informações biográficas do autor para construir as narrativas. É um estilo que aparece em diversos livros, não só de autores brasileiros mas também de outros países.
Mas não é só disso que os romancistas brasileiros estão falando. “Embora esse estilo esteja sendo praticado em várias literaturas, inclusive no Brasil, acho que o que caracteriza a nossa literatura contemporânea é a diversidade. Não há um caminho único sendo trilhado nesse momento”, diz o escritor mineiro, Luiz Ruffato, de 53 anos,colunista deste diário e autor de Estive em Lisboa e Lembrei de Você (2009).
Para o escritor pernambucano Marcelino Freire, 47 anos, autor de Contos Negreiros (2005), vencedor do prêmio Jabuti, a autoficção mesmo sendo uma tendência, não é uma novidade. "Fala-se muito da autoficção, mas acho isso uma bobagem, porque quando um escritor escreve alguma coisa, muito do que ele viveu está no que ele faz, naturalmente”, diz. “Se você pensar na Clarice Lispector, com A Hora da Estrela (1977), por exemplo e, em Franz Kafka, com A Metamorfose (1915), essa característica já estava presente em seus livros".
Concorda com Freire o jornalista, crítico de literatura e colunista do jornal Folha de S. Paulo, Manuel da Costa Pinto. Para ele, a autoficção é um traço lateral do que está acontecendo. Mas é difícil apontar tendências na literatura abrangeria muitos outros aspectos. "É muito difícil traçar uma tendência do que aconteceu nos anos 50 e 60, quando ocorreu uma urbanização da prosa brasileira, de um lado Clarice Lispector (1920-1977) e Lúcio Cardoso (1913-1968). E do outro, o romance urbano flagrando mais a questão das cidades e da marginalidade. Isso sim foi uma coisa homogênea".
Para ele, a urbanização da literatura brasileira é, esse sim, uma forte característica dos romances que vêm sendo publicados nas últimas duas décadas. "A urbanização do imaginário da literatura brasileira é um fenômeno recente - porém irreversível”, escreve Pinto em seu livro Paisagens Interiores e Outros Ensaios (2012). A Geração 90, além dos resquícios de ter vivido sob um regime ditatorial, tem também a periferia decadente de São Paulo como epicentro, “com um evidente fascínio pela marginalidade”, diz.
Além da diversidade, a autoficção e a urbanização do romance brasileiro, uma outra característica que pode ser apontada como tendência, e das mais modernas, é a concisão. A moda dos 140 caracteres, inaugurada por Jack Dorsey em seu Twitter retoma, porém, algo já feito nos tempos de antes de Cristo. “A concisão já existe há séculos”, diz Freire. “A Bíblia era dividida em versículos e nenhum deles tinha mais do que 140 caracteres. Isso porque ela era feita de boca em boca antes de ser escrita - a chamada literatura oral - e para decorar, tinha que ser curto”, explica.
Outro exemplo de que a concisão pode estar na moda, mas não é algo de hoje, é o escritor Machado de Assis (1839-1908) que no século passado já escrevia, dentre outras coisas, seus microcontos. “Pensa no quanto Machado de Assis já era moderno?”, diz Freire, lançando luz sobre outra tendência. “O que eu acho que tem sempre de novo e, ao mesmo tempo, sempre será velho na literatura é a dor. Cada um sabe o que está doendo. A dor de Dostoiévski é a mesma dor que vai aparecer na minha literatura, o que difere é o olhar que cada um lança sobre ela”.
A literatura como amante
Além de teorias sobre o que está ou não na moda nos romances brasileiros, existe um fator bastante palpável que talvez faça diferença no que a Geração 90 escreve: a literatura como profissão. "A minha geração, é a primeira que coloca como uma real possibilidade tornar a literatura um meio de vida", diz Ruffato.
O escritor atribui algumas coincidências a esse fato. A primeira, é uma explosão de feiras de livros e festivais literários que ocorreu no início dos anos 2000 no Brasil. A Feira Literária Internacional de Paraty (FLIP), por exemplo, surgiu em 2003 como o maior evento literário do país e foi um marco desses novos tempos.
Outro fator importante para a profissionalização do escritor foi o surgimento dos prêmios literários, que passaram a congratular os autores com dinheiro e não apenas com troféus. “Não adianta ter prestígio, porque isso não enche a barriga de ninguém. O importante é um valor em dinheiro. E essa mudança de patamar é muito importante para nós”, diz Ruffato que já foi jornalista antes de focar integralmente na carreira de escritor.
O autor explica que esse conjunto de fatores foi fundamental para que a literatura se tornasse prioridade e não uma segunda opção para os escritores. “Passamos a acreditar que a literatura não seria algo que você iria fazer como a segunda coisa mais importante na sua vida. É como a sua amante, que você tem uma mulher em casa e suporta ela, mas você se dedica e ama mesmo a sua amante. Descobrimos que a literatura pode ser a nossa mulher e nossa amante ao mesmo tempo".
Brasil E Pais
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