Venício Lima
O confronto emblemático em torno da legalidade de regras históricas da agência reguladora FCC (Federal Communications Commission), relativas à propriedade cruzada (cross ownership) dos meios de comunicação (jornais, emissoras de rádio e televisão) em mercados locais, teve seu lance mais recente na Suprema Corte dos Estados Unidos, na sexta feira (29/6).
Poderosos grupos de mídia como o Chicago Tribune, a Fox (News Corporation) e o Sinclair Broadcast Group (televisão), além da NAB (National Association of Broadcasters, a Abert de lá), mesmo quando favorecidos, têm reiteradas vezes contestado judicialmente decisões da FCC alegando que elas violam as garantias da Primeira Emenda da Constituição dos EUA – vale dizer, a liberdade de expressão e a liberdade da imprensa.
Quando presidida pelo republicano Kevin Martin (2005-2009), a FCC tomou decisões – coincidentes com os interesses da grande mídia – que“flexibilizariam” normas restringindo a propriedade cruzada, em vigor (à época) há mais de 35 anos.
Organizações da sociedade civil que lutam contra a concentração da propriedade na mídia recorreram ao Tribunal Federal da Filadélfia (U.S. Court of Appeals for the Third Circuit) contra a decisão e venceram a ação.
Não houve julgamento do mérito e a alegação básica foi de que a FCC ignorou os procedimentos legais devidos e não ouviu os grupos contrários à decisão que estava sendo tomada [ver “Propriedade cruzada, lá e cá“].
Os grandes grupos de mídia apelaram, então, à Suprema Corte que, agora, ratificou a decisão do Tribunal da Filadélfia (ver aqui).
Revisão das regras
A decisão da Suprema Corte, coincidentemente, foi tomada quando a FCC está realizando audiências públicas para rever exatamente as regras sobre propriedade cruzada. Decisão legal determina que elas devam ser revisadas a cada quatro anos “para levar em conta as mudanças no ambiente competitivo”. E tudo indica que haverá nova tentativa da agencia reguladora – outra vez, no interesse expresso dos grandes grupos de mídia – de “flexibilizar” as normas.
E no Brasil?
Registre-se, em primeiro lugar, que esse tipo de pauta não encontra espaço na cobertura jornalística da grande mídia brasileira. Nada encontrei sobre o assunto nos jornalões.
Aqui, como se sabe, não existe agência reguladora para a radiodifusão (nada sequer parecido com a FCC) e nem mesmo um órgão auxiliar do Congresso Nacional – o Conselho de Comunicação Social previsto no artigo 224 da CF88 – que poderia discutir (apenas, discutir) esse tipo de questão, funciona. Ademais, não há qualquer regra que regule e/ou limite diretamente a propriedade cruzada dos meios de comunicação. Ao contrário, nossos principais grupos de mídia, nacionais ou regionais, se consolidaram exatamente praticando a propriedade cruzada.
Recentemente tive a oportunidade de comentar a posição de grupos de mídia brasileiros que consideram o controle da propriedade cruzada superado pela “convergência de mídias”, além de “ranço ideológico”, “discurso radical que flertava com o autoritarismo”, “impasse ultrapassado” e “visão retrógrada” [ver “Propriedade cruzada – Os interesse explicitados“ e “Marco regulatório – Ainda a propriedade cruzada“].
Nesses tempos, em que a necessidade de um marco regulatório para o setor de comunicações “parece” estar sendo reconhecida até mesmo pelos atores que a ela sempre resistiram, é interessante acompanhar o que ocorre nos EUA. A propriedade cruzada é tema inescapável no debate sobre a regulação do setor.
Nos EUA, a Suprema Corte tem historicamente ficado do lado da diversidade e da pluralidade de vozes.
A ver.
Carta Maior
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