Julgamento Justo |
Paulo Metri**
Com extremo bombardeio midiático, o cidadão comum deve estar com dificuldade para entender o que se passa. Ou não está confuso, o que é pior, porque está totalmente ludibriado. Já é difícil de entender quando as disputas se limitam a setores ou regiões; agora então, quando grupos econômicos e políticos estão disputando o controle do poder no país em futuro próximo, é muito pior.
Para serem legitimados no poder, estes grupos precisam ganhar a guerra da aprovação popular.
O cidadão comum forma sua opinião, basicamente, através da mídia, que está longe de ter papel positivo na construção de uma sociedade democrática e consciente politicamente.
Gosto muito de praticar o "jogo dos 42 erros" quando leio um jornal ou revista ou quando assisto a um canal de rádio ou TV, enfim, quando acesso a mídia do capital. Com leituras críticas sobre os diversos temas e usando racionalidade, pode-se identificar os erros que os editores cometem para empulhar a população. Está certo que, para descobrir estes erros, o cidadão tem que ler sites independentes e buscar a verdade em articulistas não pagos por grupos econômicos e acolhidos pela mídia do capital.Têm raciocínios simples que permitem a qualquer um desconfiar que há alguma coisa errada. Por exemplo, quando se veicula a informação sobre uma greve, nunca ou quase nunca um representante do comando de greve é chamado para falar sobre as causas da greve e as reivindicações. Por quê?
Quando estão debatendo sobre a exploração do pré-sal, todos os entrevistados invariavelmente fazem declarações favoráveis às empresas petrolíferas estrangeiras. Por que os diretores da Associação dos Engenheiros da Petrobras ou do Clube de Engenharia nunca são chamados? Assim como acontece com estes dois exemplos, para muitos outros casos existem visões divergentes, que nunca são mostradas. Esta prática chama-se de manipulação midiática.
Quem bem definiu a grande mídia brasileira, de forma elegante, foi a filósofa Marilena Chauí, ao dizer: "É impossível haver um verdadeiro debate público de ideias em entes privados". Chauí não nos deu informação de quem poderia coordenar este debate público de forma a conscientizar a grande massa. Obviamente, universidades, que tenham um nome a zelar, organizações não governamentais, que não sejam patrocinadas pelo poder econômico, e alguns órgãos públicos, que certamente não têm a incumbência de promover debates, seriam ótimos coordenadores deles, pois teriam a isenção necessária.
A nossa sociedade toma decisões baseada em um mundo irreal criado pela mídia da desinformação. Quem melhor descreveu este controle das decisões da sociedade, inclusive na escolha dos seus governantes, foi Edward Bernays, um dos pais da propaganda, ou melhor, da manipulação social através da propaganda, com atuação desde meados do século passado. Ele diz: "A manipulação consciente e inteligente dos hábitos e opiniões das massas é um elemento importante na sociedade democrática. Aqueles que manipulam este mecanismo invisível da sociedade se constituem em um governo invisível que é o verdadeiro poder existente no país". E continua: "Nós somos governados, nossas mentes são moldadas, nossos gostos formados, nossas ideias sugeridas em grande parte, por homens de que nunca ouvimos falar. Este é um resultado lógico da maneira pela qual nossa sociedade democrática é organizada. Grande número de seres humanos deve cooperar desta maneira se eles querem viver juntos como uma sociedade que funciona tranquilamente".
O conceito de democracia de Bernays obviamente não é o correto. Ele achava necessário manipular a sociedade, "uma vez que ela é irracional, sendo perigoso deixá-la escolher as opções livremente, sem indução". Pode-se falar que Bernays trouxe, mais uma vez, a tese de que os fins justificam os meios, e acreditava possuir a verdade suprema; contudo, ele foi surpreendentemente honesto nos seus posicionamentos, não escondendo o que muitos negam fazer, mas vivem fazendo.
Assim, vivemos em um jogo dissimulado de busca de acumulação máxima de poder e riqueza. Deter a informação que chegará às massas facilita esta acumulação. Em eleições, a grande maioria da sociedade é chamada para opinar sobre a preferência entre os grupos que disputam o controle sobre ela. Nunca é chamada para opinar conscientemente, após proveitosos debates públicos, sobre alternativas diversas analisadas em todas suas consequências. Quantas vezes, sobre determinado fato, um único entendimento é mostrado, de forma bem orquestrada, em vários periódicos, rádios e televisões? Não sei se só uma nova lei de comunicação de massas, verdadeiramente democrática, resolveria esta deficiência da nossa sociedade, mas que ajudaria, é verdade. Por isso, urge aprová-la.
Como os juízes são parte integrante da nossa sociedade e têm os mesmos canais de informação da população, são igualmente influenciados, nem que seja minimamente, pelas versões espalhadas pelos grupos de interesse, sendo quase impossível ouvir uma opinião totalmente isenta. Nem me atenho ao fato de que os legisladores, ao criarem determinada lei, por serem também humanos, erram às vezes, impossibilitando os mais criativos juizes de descobrirem interpretações para a lei socialmente mais atrativas.
No caso específico do mensalão, sem julgar o mérito, até porque não tenho o conhecimento jurídico, nem acesso aos autos, é óbvio que um grupo político está mais identificado com o ocorrido, apesar de não pesar acusação sobre a totalidade, nem mesmo a maioria, de seus integrantes. Na cabeça do cidadão comum se estará julgando o desempenho da totalidade deste grupamento político, buscando-se demonizá-lo, o que não é bom para o crescimento da consciência política da sociedade. Confio nas palavras do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ayres Britto, que declarou: "(...) e o julgamento do mensalão será técnico". O que espero do STF é exatamente isso, que sejam julgados eventuais desvios com o rigor técnico.
Entretanto, lastimo o estágio da democracia brasileira, porque, há pouco tempo, o então deputado Ronivon Santiago confessou, livremente, ter recebido R$ 200 mil para votar a favor da reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso, o que poderia ter sido chamado de "aleatorião". Inclusive, o principal acusado não teve a oportunidade de se defender como se defenderão os atuais acusados do mensalão.
Outro exemplo do tratamento diferenciado dado pela mídia às forças políticas: na manchete principal do Jornal do Brasil de 8 de junho de 1995, o dia seguinte à quebra do monopólio estatal do petróleo no Congresso Nacional, pode-se ler: "Governo esmaga oposição no petróleo". Tendo, logo abaixo: "O apoio da bancada ruralista custará pelo menos R$ 1 bilhão aos cofres públicos (diferença entre as taxas de mercado e os juros de 16% para agricultores)". Nada foi apurado posteriormente, e esta pode ser considerada também uma parcela do "aleatorião".
Alem disso, é triste que uma sociedade que, nos últimos dez anos, conseguiu obter razoável contribuição para a paz social terá que assistir ao julgamento de acusados de erros, que, se culpados, serão grandes irresponsáveis, pois poderão estar arrastando toda a conquista social para o limbo. Qualquer ministro do STF poderia estar vivendo um drama, à medida que o rigor jurídico eventualmente poderá diminuir a perspectiva de poder do grupo que, quer queiram, quer não, foi o responsável pelo recente crescimento social. No entanto, os ministros certamente saberão decidir da melhor forma para benefício da nossa sociedade.
Alem disso, parece-me que a população brasileira tem amadurecido politicamente muito, nos últimos anos. Maturidade esta que permitirá eventuais culpados serem identificados e penalizados, sem haver perdas na condução política. Assim, a sociedade não estaria dando ouvidos a qualquer informação que lhe chega. Os marqueteiros eleitorais e os políticos mal intencionados passariam a ter maior dificuldade para ludibriar a população. É como se o grau de manipulação, ainda existente, estivesse caindo, e a conscientização política da sociedade melhorando.
Paulo Metri é conselheiro da Federação Brasileira de Associações de Engenheiros e do Clube de Engenharia.
Jornal do Brasil
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