Mulher alguma faz aborto por prazer, e que oxalá, médicos e psicólogos façam essa avaliação sem critérios morais, emocionais ou religiosos.
Por Dora Martins*
Cidade de São Paulo. Numa casa qualquer, num bairro central, Mariana, de 22 anos, mãe de uma filha de 3 anos, sente dores na barriga e vai ao banheiro. Lá, em prantos, agarrada ao vaso sanitário, pede socorro e vê o segundo filho nascer. Mariana, com medo de ser posta na rua pela mãe, tomou dois comprimidos de Citotec, e acreditou ter “feito aborto”. Ana Clara nasceu com a chamada Síndrome de Moebius, que está associada ao uso do Citotec e, agora, vive num abrigo, e, talvez, quem sabe?, um dia será adotada.
A vingar o projeto do novo Código Penal, jovens como Mariana poderão interromper a gravidez não desejada, com assistência médica e com respeito à sua saúde.
Hoje o aborto é crime, com pena de até seis anos de prisão, e a lei só abre duas exceções: permite o aborto se a gravidez põe em risco a vida da gestante ou se ela ficou grávida em razão de um estupro.
Com a reforma, outras exceções estão previstas: não haverá crime se a gravidez for decorrente de qualquer ato de violação à dignidade sexual da mulher, ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida. E, também não será crime o aborto realizado toda vez que, não são só a vida, mas também a saúde da mulher estiver em risco.
E o maior avanço do novo Código Penal está no inciso IV do artigo 128, que exclui o crime de aborto, por vontade da mulher, até a 12ª semana de gravidez.
Essa previsão, que já existe em inúmeros países, dentre eles Portugal e Espanha, é um avanço. Mas um avanço tímido. É que se deu o poder à mulher para decidir pela interrupção de sua gravidez até a 12ª semana, mas, prevê-se que tal vontade deverá ser referendada por um médico ou um psicólogo, aos quais caberá dizer se a mulher tem ou não tem “condições psicológicas de arcar com a maternidade”.
Cabe lembrar que mulher alguma faz aborto por prazer, e que oxalá, médicos e psicólogos façam essa avaliação do desejo de cada mulher, sem critérios morais, emocionais ou religiosos.
*Dora Martins é Integrante da Associação Juízes para a Democracia.
NP
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