Marcelo Pellegrini
Criado em 1970, durante a ditadura, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) surgiu para realizar, de forma organizada, a reforma agrária brasileira. Ironicamente, neste mesmo período, começava a ocupação da Amazônia sob o lema, cunhado pela ditadura, “Integrar para não Entregar”.
Os problemas agrários brasileiros, que já não eram poucos, aumentaram à medida que os colonizadores se instalavam floresta adentro.
Na esteira desse movimento, muitos trabalhadores rurais sem terras migraram de diversas regiões do país para a Amazônia, principalmente para o Estado do Pará. Lá, recebiam lotes de terras e obtinham acesso ao crédito, caso desmatassem suas propriedades para dar lugar à agropecuária. Assim, o desmatamento na Amazônia ganhou corpo, e o Estado do Pará começou a fermentar os problemas agrários e ambientais que possui hoje.
O Pará está entre os Estados brasileiros que mais possuem trabalho escravo.
Como resultado desse processo, em 2011 o Pará registrou 125 conflitos por terras, segundo a Comissão Pastoral da Terra – só perde para o Maranhão, com 225 conflitos. Na lista de problemas que atacam o Estado consta índices alarmantes de trabalho escravo e a luta para conter o avanço do agronegócio e das madeireiras por meio das reservas ambientais da Amazônia, espalhadas por todo o Estado.
No meio dessa problemática socioambiental, o Incra, que hoje senta sobre um orçamento de cerca de R$ 2 bilhões anuais, acumulou uma série de críticas e suspeitas sobre sua capacidade de organizar a reforma agrária no país sem provocar estragos. Nas últimas semanas, uma enxurrada de denúncias resultou na mais recente crise no governo federal – e culminou com a demissão de seu presidente, Celso Lacerda. O anúncio foi feito na noite da quinta-feira, 19.
A situação se mostrava insustentável desde que o Ministério Público Federal (MPF) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foram a público acusar a autarquia de colaborar para o aumento do desmatamento e beneficiar os interesses das madeireiras na região. Em um nota publicada em seu site, o MPF afirma que “a falta de estrutura do Incra se traduz em altas taxas de desmatamento, ausência de licenças ambientais, desvio de verbas públicas, venda de lotes e reconcentração fundiária”. Soma-se a isto a investigação que sofrerem quatro servidores do órgão por terem desviado R$ 13,6 milhões.
Celso Lacerda rebate as críticas contra o órgão que já assentou mais de um milhão de famílias.
Em entrevista a CartaCapital, pouco antes de deixar a presidência do órgão, Celso Lacerda afirmou que as denúncias do MPF eram infladas por informações equivocadas. “Os assentamentos têm certa participação no desmatamento, sim, mas isso deve ser analisado dentro de uma conjuntura histórica de ocupação da Amazônia”, pondera.
Segundo ele, os dados do MPF levaram em conta áreas que não estão mais sob administração do Incra e utilizaram os dados da ONG para o desenvolvimento sustentável na Amazônia, o Imazon. “O MPF contabilizou projetos de colonização da década de 1970, ou seja, de um período em que o governo incentivava a ocupação e o desmatamento da Amazônia. Essas áreas não pertencem mais ao Incra”, explicou.
“Além disso, o Incra trabalha com dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Esta é a base oficial de dados do governo federal. Enquanto o MPF se baseou em dados do Imazon”, conta Lacerda.
Em uma nota oficial, o Incra diz que o desmatamento nos assentamentos da Amazônia teve uma redução de 66% em área, de 2005 a 2011, e que o desmatamento nos assentamentos representou 18% do total desmatado no ano passado. Contudo, o MPF reafirmou que, “com base em informações oficiais do Inpe, que o Instituto é sim responsável atualmente por um terço do desmatamento na região amazônica: desde 2010, as taxas dos assentamentos flutuam entre 26% e 31% das derrubadas”. Para o procurador da República, Daniel Avelino, “o MPF continua esperando que a autarquia, em vez de negar o problema e apresentar a já desgastada saída da perseguição política, apresente soluções concretas e eficazes para os elevados números apresentados”, afirmou por meio de nota.
Assentamentos diferenciados
Também por meio de nota, o MST declarou que os projetos de colonização do Incra para a região beneficiam os interesses dos madeireiros, uma vez que regularizam áreas em conflito e têm a política de assentar famílias em áreas públicas florestadas.
“O Incra realmente atua em áreas de conflito agrário, é uma de nossas funções”, rebate o presidente da autarquia, “mas isso não nos faz beneficiar madeireiros”. Segundo ele, o Incra não cria mais nenhum projeto de assentamento convencional na Amazônia. “Todos os projetos de assentamento na Amazônia, hoje, são diferenciados do ponto de vista ambiental. Temos projetos Agroextrativistas (PAEs), de Assentamento Florestal (PAF) e de Desenvolvimento Sustentável (PDS), no intuito de buscar atividades com baixo impacto ambiental para a área”, exemplifica.
“O combate ao desmatamento não pode ser feito apenas com ações de repressão, às vezes a floresta é a única base de sustento da comunidade, por isso é preciso assentar de maneira responsável”, argumenta Lacerda.
Corrupção e abandono
Além de ser visto pelo MPF como o maior desmatador da Amazônia, o Incra, que recebeu R$ 2,718 bilhões dos cofres públicos em 2011, também teve de lidar com a investigação de quatro funcionários das superintendências do Pará, suspeitos de desviar R$ 13,6 milhões.
Segundo o presidente do Incra, apenas em 2011, mais de R$ 70 milhões foram investidos para melhorar a estrutura dos assentamentos. Foto: Elza Fiuza/ABr
O dinheiro desviado seria destinado à compra de material, construção e reforma de moradias e assentamentos, que segundo o Ministério Público estão em “situação de abandono”.
Em entrevista à CartaCapital, o presidente do Incra, Celso Lacerda, nega o abandono. “Apenas em 2011, mais de R$ 70 milhões foram investidos em obras de infraestrutura nos assentamentos, em parceria com os governos municipais e estaduais, no Pará”, argumentou.
Ele também culpa as carências estruturais da economia paraense pelo ritmo de melhoria dos assentamentos. “Abrimos editais para assistência técnica e nenhuma empresa se inscreveu, simplesmente porque não existem empresas no Estado para o tipo de serviço que procurávamos”, disse.
Em relação às denúncias de corrupção, Lacerda lembrou que elas partiram da auditoria do próprio Incra. “Nós que verificamos a irregularidade. Não existe corrupção disseminada no Incra. Podem existir alguns casos aqui e ali, mas investimos na modernização da gestão e na integração dos sistemas para dificultar estas ações.”
Na ação, o Ministério Público Federal requisitou à Justiça a proibição da criação de novos assentamentos sem licença ambiental. O que, segundo Lacerda, não acontece desde 2006 devido à proibição emitida na Resolução Conama 387. Problemas, portanto, que não se encerram com a substituição de Lacerda pelo economista Carlos Guedes de Guedes.
Carta Capital
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