Os professores da rede de escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro estão em greve há longos 53 dias. Todos querem e precisam de reconhecimento social pelo trabalho docente, isto é, de remuneração adequada; condições de liberdade, equidade e segurança; e de garantia de uma vida digna inclusive quando já estiverem inativos. Trabalho docente exige uma carreira decente. Até a Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconhece isso. Quando as nossas autoridades farão o mesmo?
Zacarias Gama (*)
Os professores da rede de escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro estão em greve há longos 53 dias. Eles reivindicam políticas de valorização do magistério conforme vem sendo prometido pelas autoridades educacionais e já está disposto no projeto de lei que cria o Plano Nacional de Educação (PNE) para vigorar de 2011 a 2020. Não apenas na capital fluminense, a cantilena de governadores e prefeitos tem sido parece bem ensaiada e se repete exaustivamente proclamando falta de recursos, limitação imposta pela Lei de Responsabilidade Fiscal etc. O resultado é o que estamos vendo: escolas paradas, alunos em casa, praças e ruas tomadas de professores e muita violência policial. Nada parece demover as autoridades de suas duras posições.
O impasse que existe hoje parece resultar de duas vias construídas para a melhoria da qualidade da educação pública brasileira. Numa se colocam todos aqueles que acreditam que tal qualidade será conquistada cumprindo-se o que está disposto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/1996). Esta lei reza que o dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: “Art. 4º IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem”. Mais adiante esta mesma Lei dispõe em seu Art. 67 que os sistemas de ensino valorizarão os seus profissionais da educação, “assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público”, aperfeiçoamento profissional continuado, piso salarial profissional, progressão funcional com base em títulos, habilitações e desempenho, período reservado a estudos, planejamento e avaliação constante na carga horária, e condições adequadas de trabalho.
Noutra linha situam-se todos aqueles que acreditam na insuficiência dos dispositivos legais presos a uma lógica de oferecimentos mínimos, medidos pelas variedades e quantidades de insumos. Para esses, não basta só garantia de um padrão mínimo de qualidade da educação a ser obtida pela relação ideal entre insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem e alunos. Objetivamente são contrários à tese que sustenta a transformação das quantidades em qualidades. Defendem que só o trabalho sobre as quantidades pode resultar em qualidade.
Nossas autoridades educacionais, todavia, apegam-se com afinco à tese hegeliana de que as quantidades se transformam em qualidade por meio de avaliações, de tal modo que elas e diversas instâncias educacionais se tornam apenas grandes compradoras de carteiras, televisores, computadores, climatizadores de ambientes etc. Nenhuma dessas autoridades e instâncias trabalha no sentido de oferecer planos de carreira atraentes de professores muito bem qualificados; sequer facilitam aos professores a obtenção de licenças remuneradas para aperfeiçoamento profissional. A sociedade, contudo, sabe que nem sempre todas as compras chegam às escolas e não é raro serem adquiridas com preços superfaturados. Os escândalos frequentes relacionados a essas compras talvez sejam os grandes indicadores do porquê estar enraizada essa crença na obtenção da qualidade educacional por meio de quantidades.
Os professores, que lutam contra tudo e contra todos, sabem, entretanto, que são desalentadoras as suas perspectivas de futuro. As suas aposentadorias não lhes garantem dignidade quando estiverem exauridas as suas forças, porque o que fica no contracheque limpo de bonificações e gratificações por mérito mal dá para pagar os remédios do reumatismo. Essas bonificações e gratificações que são retiradas dos contracheques das aposentadorias servem, no entanto, para fins eleitoreiros de prefeitos e governadores e para desmobilizar e dividir a categoria docente. Há, porém, quem as aceite de bom grado sem sequer pensar na própria velhice.
Ao contrário do que pensam as nossas autoridades tecnicistas, as escolas não são apenas prédios, carteiras, quadros e computadores. Elas são cheias de vida. Homens, mulheres, crianças e jovens convivem diariamente realizando o importante processo de transmissão e apreensão dos saberes produzidos socialmente. Todos têm necessidades, alegrias, sentimentos. São sujeitos concretos. A tarefa educacional que se realiza no chão da escola é estratégica para a construção do amanhã. Sem a oferta sistematizada dos conhecimentos produzidos por nossos antepassados e sem adultos bem formados e à disposição boa parte do dia, como seria possível educar com valores e saciar a curiosidade das nossas crianças e jovens? Eis a grande importância social dos professores e de todos os trabalhadores da educação.
Nossos docentes e todos que trabalham nas escolas são profissionais de educação com o dever de se situarem entre o passado e o futuro. Por todas essas razões jamais deveriam ser tratados com vilipêndios. Nenhum precisa receber sprays de pimenta no rosto e muito menos de repressões policiais truculentas para desocupar ambientes públicos. O que todos precisam é de reconhecimento pelo trabalho que desempenham agora, de condições dignas para aperfeiçoamento e dedicação ao processo educativo escolar, de uma vida que lhes garantam a educação dos próprios filhos, de uma velhice plena de orgulho e dignidade como reconhecimento pela ajuda na construção da nação.
Todos querem e precisam de reconhecimento social pelo trabalho docente, isto é, de remuneração adequada; condições de liberdade, equidade e segurança; e de garantia de uma vida digna inclusive quando já estiverem inativos. Trabalho docente exige uma carreira decente. Até a Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconhece isso. Quando as nossas autoridades farão o mesmo?
(*) Professor Associado e Procientista da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Faculdade de Educação e Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH). Mantem o blog Coisas da Educação.
Carta Maior
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