segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Os "Black Blocs", para quem servem?


Sem compromisso com qualquer ideologia, grupo serve como massa de manobra para o governo

Cláudia Freitas

As cenas de vandalismo que tomaram as ruas das principais capitais nacionais desde as manifestações de junho, praticadas por grupos autointitulados "Black Blocs", tinham como propósito criticar a administração pública estadual, mas os seus efeitos foram contrários e acabaram por desacreditar os atos legítimos de categorias sociais e profissionais que revindicavam por melhores condições de vida e trabalho. Mais do que em outros estados, no Rio de Janeiro as depredações que marcaram os desfechos dos protestos, abriram uma porta para as violentas ações policiais autorizadas pelo governo de Sérgio Cabral e levaram a violência urbana para o eixo dos manifestos populares. O cenário foi favorável somente ao governo do Estado, que procurava uma forma de desmoralizar as manifestações às vésperas de grandes eventos internacionais, além da proximidade do período eleitoral.

Na sua pesquisa Movimentos Londres / Paris, com o perfil de grandes protestos em massa mundiais, o especialista e professor de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Francisco Carlos Teixeira, identifica a tática black bloc no Brasil, que teve a sua primeira aparição no dia 19 de março de 2011, durante o protesto contra a visita do presidente norte-americano Barack Obama ao Rio de Janeiro. Um pequeno grupo de manifestantes atirou uma bomba contra a embaixada americana na cidade. Analisando as manifestações que estão acontecendo atualmente na cidade, Teixeira chama a atenção para um processo que ele classifica de "Criminalização do Movimento Social", que consiste no sufocamento das reivindicações populares pelos atos violentos cometidos por uma minoria. "É o que está acontecendo neste momento com os atos promovidos pelos professores. As demandas da Educação não podem ser menos expressivas do que os atos de vandalismo. Mas a opinião pública e, principalmente o governo, estão colocando a violência em primeiro plano e não dando a necessária importância às revindicações das classes sociais. Isso é grave!", destacou Teixeira.

Na avaliação do sociólogo, a dimensão que a tática black bloc tomou no Rio de Janeiro teve duas molas propulsoras: os destaques midiáticos e um planejamento do governo estadual para deslegitimar os crescentes protestos populares. Para Teixeira houve uma manipulação dos governos estadual e municipal, em ação conjunta, para esvaziar as manifestações e retirar de centro das discussões os assuntos que realmente são relevantes para toda a população. "Na manifestação realizada no dia 10 de outubro pelos professores, a Polícia Militar montou barreiras impedindo que as pessoas se aproximassem do Palácio Laranjeiras, sendo que o ato seguia pacífico. Por que em outras manifestações essa postura não foi adotada? Porque o governador pretendia de forma velada deslegitimar o ato dos professores", destacou ele.

A postura do prefeito da cidade, Eduardo Paes, quanto às revindicações das categorias também tem estimulado a violência nos atos, segundo Teixeira. "Ele se pronuncia de forma debochada, desafiando as pessoas. Ele expõe dados e situações para confundir a opinião pública, depois volta na sua colocação e até pede desculpas, mas a revolta popular já foi alimentada", explica o sociólogo, que também citou o fato do prefeito não defender de forma mais clara a ação violenta da PM contra manifestantes pacíficos.

Francisco Teixeira acredita que a tática black bloc chegou para ficar por um bom tempo e, por esse motivo, a população deve ter a percepção para não cair na armadilha da "criminalização do movimento social". "A mídia tem uma parcela de culpa na valorização desse movimento de black bloc. Um ato público onde milhares de pessoas expressam os seus anseios e sinalizam para as autoridades sobre o que é melhor para o coletivo, como pode a imprensa dar mais destaque aos atos de uma minoria de umas 150 pessoas?", questionou Teixeira. Ele explicou que a inversão desses valores demonstra uma sociedade conservadora, que dá mais atenção à ordem pública do que à Justiça. No seu estudo, ele admite que os "mascarados" servem como massa de manipulação do governo, mas não os considera vítimas, pelo fato deles atingirem uma meta importante para o grupo, a visibilidade tão sonhada há anos de anonimato. "Eles querem a imagem do grupo em destaque na mídia e representar a alma de um movimento", explica.

Um caminho apontado pelo sociólogo para minimizar as cenas de violência que a sociedade carioca está presenciando nos últimos meses é uma revisão da postura da Polícia Militar e, especialmente, o seu aperfeiçoamento nas operações de segurança em manifestações. "Ficou evidente um ressentimento da PM nos atos dos profissionais de educação. E o governo tem muita culpa nisso também. Por exemplo, o Cabral criou uma comissão para investigar os atos de violência em protestos, mas só tinham atenção os casos em que os manifestantes se excediam e nunca os atos truculentos da PM com relação aos manifestantes. Essa cultura tem que mudar. Além desse fato, a polícia do Estado se mostrou despreparada, violenta e sem uma orientação protocolar", destacou.

A manipulação articulada pelo poder público do Rio somado à força das redes sociais contribuíram com a popularidade dos chamados "Black Blocs", que tiveram adesão de outros grupos, como os moradores de rua e torcida organizadas, que participaram dos "quebra-quebra" sem qualquer objetivo social, apenas pelo ato de vandalismo. Sem compromisso com as ideologias anarquistas, os "Black Blocs" tomaram posse do nome da própria tática revolucionária e ainda criaram um perfil estético para se apresentar nas manifestações. "Eles adotaram um estilo fashion nas redes sociais e levaram a cor preta a um modismo momentâneo", disse Teixeira.

Em uma pesquisa acadêmica sobre as manifestações, o sociólogo e cientista político da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Paulo Baía, mapeou os grupos que foram identificados praticando atos violentos. Ele os dividiu em três categorias: aqueles que seguem uma política ideológica, os de natureza sociocultural e indivíduos que trabalham para o crime organizado. No total, Baía encontrou 18 grupos que "acreditam na violência", entre eles até policiais e políticos infiltrados. O "teatro" é sempre o mesmo, caracterizado por pessoas vestidas de preto e que usam o próprio corpo como arma, além de objetos que encontram pelo seu caminho, que fica marcado por um rastro de destruição. Baía concorda com os estudos de Francisco Teixeira e afirma que a tática black bloc tomou a proporção necessária para sufocar as reais revindicações das classes sociais e, inclusive, banalizou os ideais anarquistas que deram origem à ação revolucionária.

Jornal do Brasil

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