Ontem, em São Paulo, passeata organizada pelo MPL começou pacificamente no Theatro Municipal, pedindo um transporte público "sem catracas". De acordo com a Polícia Militar, no entanto, houve infiltração de criminosos entre os manifestantes, com registro de depredação de ônibus, caixas eletrônicos e cabines de venda de bilhetes no Terminal Dom Pedro II. A passeata faz parte da "semana de luta do 26 de outubro", iniciada na última segunda-feira.
Movimento Passe Livre preparou atividades diversas em 13 cidades do país
"Se você não tem R$ 3, a catraca é uma barreira que impede o acesso a outros serviços públicos, como a educação pública, a saúde pública. Quem é excluído do transporte, porque não tem dinheiro para a passagem, é excluído da cidade. A gente entende isso como crucial, como luta do direito à cidade. O transporte é um direito que dá acesso a vários outros direitos - educação, saúde, moradia, trabalho", comenta Caio militante do MPL em São Paulo. Ele explica que o MPL não se atém mais apenas ao passe livre, por entender que a questão do transporte público é muito ampla.
No Rio de Janeiro, o MPL programou diversas atividades, como debates, panfletagem em estações de ônibus, roda de conversas, exibição de vídeos e atividades culturais. Neste sábado, é realizada a "Roda de Conversas: O direito à cidade e a tarifa zero", na Aldeia Maracanã, às 17h, com atividades culturais às 19h. O JB tentou entrar em contato com o MPL-RJ, mas não teve retorno.
Para Bruno Marinoni, do Intervozes Coletivo Brasil de Comunicação Social, o MPL representa a compreensão, cada vez maior, da sociedade em relação ao direito à cidade, tendo a mobilidade urbana como uma das questões-chave. Para ele, a mudança da questão do passe livre pelo transporte sem catracas é apenas o trânsito entre duas formas diferentes de levantar a mesma bandeira. "O passe livre não está mais no centro da discussão e a repressão continua. O MPL teve a capacidade de estar no centro do processo [das manifestações de junho] por conta dessa relação com o transporte, que vem do direito à circulação e à cidade", argumenta Bruno.
Como explica o professor de Sociologia na graduação e de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) na Universidade Federal Fluminense (UFF), a nova luta do MPL, "por uma vida sem catracas", é a expansão de uma demanda social, uma indignação contra a privatização de diversos serviços. Publicação no site do MPL ressalta: "Ao revogar o aumento da passagem em junho, derrubamos alguns tijolos desse muro, mas não podemos parar por aí! Enquanto o transporte tiver catraca, a cidade não será de todos. Nossa luta é pela Tarifa Zero!".
As manifestações de junho foram promovidas por milhares de brasileiros em 400 cidades, com a derrubada dos aumentos nas tarifas de transporte público como pauta imediata. No Rio de Janeiro, uma das poucas que ainda seguem com manifestações, o movimento abriu porta para luta de muitas outras necessidades, como a dos professores por uma educação de qualidade. Segundo Fridman, os protestos não tiveram tanto a ver com questões econômicas dos brasileiros – “Lula e Dilma fizeram uma impressionante distribuição de renda” –, mas, sim, foram resultado de uma indignação dos brasileiros com o descaso e o não funcionamento dos serviços públicos.
Isso se tornou uma espécie de revolta contra a humilhação social. Produziu um movimento absolutamente inédito
"A gente tem que fazer uma análise cuidadosa, pensar nas manifestações pelas demandas sociais, das mais variadas, que explodiram na jornada de junho, a partir da questão do transporte. Isso se tornou uma espécie de revolta contra a humilhação social. Produziu um movimento absolutamente inédito em diversas cidades do Brasil. O Movimento Passe Livre, com a sua especificidade, tem anos. Mas tivemos agora a emergência inédita de indignação, uma coisa impressionante, apesar de não resultar em nenhuma consequência política imediata", analisa Fridman.
A luta do MPL é bem anterior aos protestos de junho. Batizado na Plenária Nacional pelo Passe Livre, em janeiro de 2005, em Porto Alegre, ele se considera um movimento social autônomo, apartidário, horizontal e independente, que luta por questões relacionadas ao transporte público. Fatos históricos importantes na origem e na atuação do MPL são a Revolta do Buzu (Salvador, 2003) e as Revoltas da Catraca (Florianópolis, 2004 e 2005). Em 2006 o MPL realizou seu 3º Encontro Nacional, com a participação de mais de 10 cidades brasileiras, na Escola Nacional Florestan Fernandes, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Em nota nacional, o MPL aborda as manifestações iniciadas em junho, que demonstram a insatisfação com toda a estrutura política e social, com pautas como a precariedade do sistema único de saúde, da educação e os elevados custos de vida nas grandes cidades. Lembram que, na luta contra o aumento das tarifas de transporte coletivo, Porto Alegre, Goiânia, São Paulo e Rio de Janeiro tiveram sucesso.
"As ruas continuam a ser tomadas pelas mais diversas demandas: são professores/as no Rio, indígenas de todo território mobilizados contra o avanço ruralista sobre seus direitos, ocupações dos movimentos sem teto nos grandes centros urbanos. Os gritos de quem nunca dormiu continuam a ecoar, e a repressão e criminalização dos movimentos sociais se intensifica por toda parte. (...) É para marcar a memória histórica desta luta constante que A semana nacional de luta pelo passe livre foi criada e tem como marco o dia 26 de outubro. Esta data é importante porque remonta às mobilizações e conquistas da Revolta da Catraca de 2004 em Florianópolis, uma das lutas que deu origem ao Movimento Passe Livre", diz a nota.
Além de Rio de Janeiro e São Paulo, o movimento realizou a semana de luta por transporte público em outras cidades brasileiras - ABC (SP), Distrito Federal, Florianópolis (SC), Grande Vitória (ES), Goiânia (GO), Joinville (SC), Natal (RN), Niterói (RJ), Salvador (BA), São José dos Campos (SP) e São Luís (MA).
"Talvez para quem veja o mundo pelos noticiários, este cenário de lutas seja uma grande surpresa. De onde veio tanta gente? Quem são essas organizações? O que está acontecendo? Ao contrário do que propaga a mídia, nada disso começou em junho e não vai terminar por agora. É por construirmos ao longo desta quase década – o MPL, mas também tantos outros/as por aí – o que chamamos de organização popular, que a rebelião que presenciamos hoje é possível", informa nota.
Jornal do Brasil
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