sábado, 26 de outubro de 2013

Dia pelo Passe Livre: movimento agora quer passagem gratuita para todos




O ano de 2013 foi marcado pelo início de um movimento que deu fim à suposta calmaria brasileira, em uma proporção que não se via há 20 anos. O Movimento Passe Livre (MPL) celebra neste sábado (26/10) o Dia Nacional pelo Passe Livre, como o símbolo de uma luta que cresceu e ganhou novas questões, assim como os protestos de junho, que tiveram início, principalmente, por intermédio da luta do MPL, e que agregou outras demandas da sociedade. O coletivo, presente em diversas cidades brasileiras, se mobilizou ao longo desta semana com diversas atividades, não mais com foco no passe livre, mas pelo transporte gratuito para todos.

Ontem, em São Paulo, passeata organizada pelo MPL começou pacificamente no Theatro Municipal, pedindo um transporte público "sem catracas". De acordo com a Polícia Militar, no entanto, houve infiltração de criminosos entre os manifestantes, com registro de depredação de ônibus, caixas eletrônicos e cabines de venda de bilhetes no Terminal Dom Pedro II. A passeata faz parte da "semana de luta do 26 de outubro", iniciada na última segunda-feira.

Movimento Passe Livre preparou atividades diversas em 13 cidades do país

"Se você não tem R$ 3, a catraca é uma barreira que impede o acesso a outros serviços públicos, como a educação pública, a saúde pública. Quem é excluído do transporte, porque não tem dinheiro para a passagem, é excluído da cidade. A gente entende isso como crucial, como luta do direito à cidade. O transporte é um direito que dá acesso a vários outros direitos - educação, saúde, moradia, trabalho", comenta Caio militante do MPL em São Paulo. Ele explica que o MPL não se atém mais apenas ao passe livre, por entender que a questão do transporte público é muito ampla.

No Rio de Janeiro, o MPL programou diversas atividades, como debates, panfletagem em estações de ônibus, roda de conversas, exibição de vídeos e atividades culturais. Neste sábado, é realizada a "Roda de Conversas: O direito à cidade e a tarifa zero", na Aldeia Maracanã, às 17h, com atividades culturais às 19h. O JB tentou entrar em contato com o MPL-RJ, mas não teve retorno.

Para Bruno Marinoni, do Intervozes Coletivo Brasil de Comunicação Social, o MPL representa a compreensão, cada vez maior, da sociedade em relação ao direito à cidade, tendo a mobilidade urbana como uma das questões-chave. Para ele, a mudança da questão do passe livre pelo transporte sem catracas é apenas o trânsito entre duas formas diferentes de levantar a mesma bandeira. "O passe livre não está mais no centro da discussão e a repressão continua. O MPL teve a capacidade de estar no centro do processo [das manifestações de junho] por conta dessa relação com o transporte, que vem do direito à circulação e à cidade", argumenta Bruno.

Como explica o professor de Sociologia na graduação e de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) na Universidade Federal Fluminense (UFF), a nova luta do MPL, "por uma vida sem catracas", é a expansão de uma demanda social, uma indignação contra a privatização de diversos serviços. Publicação no site do MPL ressalta: "Ao revogar o aumento da passagem em junho, derrubamos alguns tijolos desse muro, mas não podemos parar por aí! Enquanto o transporte tiver catraca, a cidade não será de todos. Nossa luta é pela Tarifa Zero!".

As manifestações de junho foram promovidas por milhares de brasileiros em 400 cidades, com a derrubada dos aumentos nas tarifas de transporte público como pauta imediata. No Rio de Janeiro, uma das poucas que ainda seguem com manifestações, o movimento abriu porta para luta de muitas outras necessidades, como a dos professores por uma educação de qualidade. Segundo Fridman, os protestos não tiveram tanto a ver com questões econômicas dos brasileiros – “Lula e Dilma fizeram uma impressionante distribuição de renda” –, mas, sim, foram resultado de uma indignação dos brasileiros com o descaso e o não funcionamento dos serviços públicos.

Isso se tornou uma espécie de revolta contra a humilhação social. Produziu um movimento absolutamente inédito

"A gente tem que fazer uma análise cuidadosa, pensar nas manifestações pelas demandas sociais, das mais variadas, que explodiram na jornada de junho, a partir da questão do transporte. Isso se tornou uma espécie de revolta contra a humilhação social. Produziu um movimento absolutamente inédito em diversas cidades do Brasil. O Movimento Passe Livre, com a sua especificidade, tem anos. Mas tivemos agora a emergência inédita de indignação, uma coisa impressionante, apesar de não resultar em nenhuma consequência política imediata", analisa Fridman.

A luta do MPL é bem anterior aos protestos de junho. Batizado na Plenária Nacional pelo Passe Livre, em janeiro de 2005, em Porto Alegre, ele se considera um movimento social autônomo, apartidário, horizontal e independente, que luta por questões relacionadas ao transporte público. Fatos históricos importantes na origem e na atuação do MPL são a Revolta do Buzu (Salvador, 2003) e as Revoltas da Catraca (Florianópolis, 2004 e 2005). Em 2006 o MPL realizou seu 3º Encontro Nacional, com a participação de mais de 10 cidades brasileiras, na Escola Nacional Florestan Fernandes, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Em nota nacional, o MPL aborda as manifestações iniciadas em junho, que demonstram a insatisfação com toda a estrutura política e social, com pautas como a precariedade do sistema único de saúde, da educação e os elevados custos de vida nas grandes cidades. Lembram que, na luta contra o aumento das tarifas de transporte coletivo, Porto Alegre, Goiânia, São Paulo e Rio de Janeiro tiveram sucesso.

"As ruas continuam a ser tomadas pelas mais diversas demandas: são professores/as no Rio, indígenas de todo território mobilizados contra o avanço ruralista sobre seus direitos, ocupações dos movimentos sem teto nos grandes centros urbanos. Os gritos de quem nunca dormiu continuam a ecoar, e a repressão e criminalização dos movimentos sociais se intensifica por toda parte. (...) É para marcar a memória histórica desta luta constante que A semana nacional de luta pelo passe livre foi criada e tem como marco o dia 26 de outubro. Esta data é importante porque remonta às mobilizações e conquistas da Revolta da Catraca de 2004 em Florianópolis, uma das lutas que deu origem ao Movimento Passe Livre", diz a nota.

Além de Rio de Janeiro e São Paulo, o movimento realizou a semana de luta por transporte público em outras cidades brasileiras - ABC (SP), Distrito Federal, Florianópolis (SC), Grande Vitória (ES), Goiânia (GO), Joinville (SC), Natal (RN), Niterói (RJ), Salvador (BA), São José dos Campos (SP) e São Luís (MA).

"Talvez para quem veja o mundo pelos noticiários, este cenário de lutas seja uma grande surpresa. De onde veio tanta gente? Quem são essas organizações? O que está acontecendo? Ao contrário do que propaga a mídia, nada disso começou em junho e não vai terminar por agora. É por construirmos ao longo desta quase década – o MPL, mas também tantos outros/as por aí – o que chamamos de organização popular, que a rebelião que presenciamos hoje é possível", informa nota.

Jornal do Brasil

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