Depressão e autenticidade
Vladimir Safatle
Um estudo publicado no "Journal of Clinical Psychology" afirma que em torno de 20% das mães terão um episódio depressivo nos primeiros três meses após o parto, sendo que 7,1% terão um episódio grave. Ou seja, uma em cada cinco mulheres passará por depressão ao tornar-se mãe.
Esse número extremamente alto deveria nos levar a perguntar sobre o tipo de fenômeno que tal sofrimento psíquico expressa. Talvez exista algo nesses episódios depressivos que diga muito a respeito não apenas de situações patológicas específicas, mas da experiência social da maternidade enquanto tal, principalmente em nossa época.
Ao menos desde sociólogos como Max Weber e Émile Durkheim, tendemos a nos ver como sujeitos de sociedades nas quais a autoridade tradicional, com seus modelos tipificados de comportamento e julgamento, sofre processo contínuo de erosão.
A radicalização desse movimento teria levado sujeitos a se sentirem em situações extremamente angustiantes quando precisam assumir papéis nos quais novos afetos aparecem. Como a transmissão tipificada de modelos é questionada, uma mulher não sabe se deve repetir o padrão de maternidade que encontrou em sua própria mãe, nem sabe até que ponto deve acreditar no discurso impessoal de especialistas.
Talvez, no entanto, tal questionamento sobre as normas a seguir seja vivenciado de maneira depressiva porque nosso imaginário social de maternidade não prepara as mulheres para situações nas quais ela descobrirá afetos contraditórios que a acompanharão para sempre. Situações em que ela precisará cuidar de uma criança cujo desejo ela nunca compreenderá completamente.
Em um contexto social submetido à tradição, você sabe o que deve fazer e age independentemente do seu sentimento do momento. Há um preço a pagar por isso, pois é permitido agir sem autenticidade. Mas, em um contexto de erosão das autoridades tradicionais, o discurso social dirá o seguinte (e isso pode ser tão violento quanto submeter-se à tradição): "Principalmente, siga seus sentimentos com autenticidade e você será uma mãe suficientemente boa".
Como somos cada vez menos preparados a lidar com sentimentos ambíguos e ambivalentes, a sensação depressiva de que nunca uma mulher será uma mãe suficientemente boa sobe à cena.
Nesse sentido, talvez não levaríamos tantas mães à depressão se entendêssemos como a exigência social de autenticidade pode se transformar em uma forma de submissão a uma imagem inatingível, que só terá por função desqualificar a maneira concreta como lidamos com o que não sabemos como lidar.
Folha SP
Esse número extremamente alto deveria nos levar a perguntar sobre o tipo de fenômeno que tal sofrimento psíquico expressa. Talvez exista algo nesses episódios depressivos que diga muito a respeito não apenas de situações patológicas específicas, mas da experiência social da maternidade enquanto tal, principalmente em nossa época.
Ao menos desde sociólogos como Max Weber e Émile Durkheim, tendemos a nos ver como sujeitos de sociedades nas quais a autoridade tradicional, com seus modelos tipificados de comportamento e julgamento, sofre processo contínuo de erosão.
A radicalização desse movimento teria levado sujeitos a se sentirem em situações extremamente angustiantes quando precisam assumir papéis nos quais novos afetos aparecem. Como a transmissão tipificada de modelos é questionada, uma mulher não sabe se deve repetir o padrão de maternidade que encontrou em sua própria mãe, nem sabe até que ponto deve acreditar no discurso impessoal de especialistas.
Talvez, no entanto, tal questionamento sobre as normas a seguir seja vivenciado de maneira depressiva porque nosso imaginário social de maternidade não prepara as mulheres para situações nas quais ela descobrirá afetos contraditórios que a acompanharão para sempre. Situações em que ela precisará cuidar de uma criança cujo desejo ela nunca compreenderá completamente.
Em um contexto social submetido à tradição, você sabe o que deve fazer e age independentemente do seu sentimento do momento. Há um preço a pagar por isso, pois é permitido agir sem autenticidade. Mas, em um contexto de erosão das autoridades tradicionais, o discurso social dirá o seguinte (e isso pode ser tão violento quanto submeter-se à tradição): "Principalmente, siga seus sentimentos com autenticidade e você será uma mãe suficientemente boa".
Como somos cada vez menos preparados a lidar com sentimentos ambíguos e ambivalentes, a sensação depressiva de que nunca uma mulher será uma mãe suficientemente boa sobe à cena.
Nesse sentido, talvez não levaríamos tantas mães à depressão se entendêssemos como a exigência social de autenticidade pode se transformar em uma forma de submissão a uma imagem inatingível, que só terá por função desqualificar a maneira concreta como lidamos com o que não sabemos como lidar.
Folha SP
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