Quais são o caminho e o pensamento trilhados pelo advogado indicado por Dilma para o STF? Em uma síntese deste conteúdo, apresentamos as opiniões de Barroso há um ano e meio atrás sobre a Constituição de 1988; a atuação do Supremo Tribunal Federal; o Conselho Nacional de Justiça; os rumos do Direito Constitucional e Penal no Brasil; a Comissão da Verdade; o caso Cesare Batistti; controle da comunicação; participação popular; e FHC e Lula.
Vinicius Mansur
Brasília – O advogado constitucionalista Luís Roberto Barroso foi indicado pela presidenta Dilma Rousseff, nesta quinta-feira (23), para ocupar o posto de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). A notícia alegrou diversos setores que se veem identificados com a trajetória e as ideias do advogado indicado, que ainda será submetido à sabatina Senado.
Mas quais são o caminho e o pensamento trilhados por Barroso? Boa parte dessas respostas já foram extraídas em 5 de dezembro de 2011, numa abrangente e profunda entrevista conduzida pelo jornalista Rudson Pinheiro Soares para o jornal do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Norte (SISJERN).
Em uma síntese deste conteúdo, apresentamos as opiniões de Barroso há um ano e meio atrás sobre a Constituição de 1988; a atuação do Supremo Tribunal Federal; o Conselho Nacional de Justiça; os rumos do Direito Constitucional e Penal no Brasil; a Comissão da Verdade; o caso Cesare Batistti; controle da comunicação; participação popular; e FHC e Lula.
Origem
Nascido em Vassouras (RJ), em 1958, filho de pai e mãe advogados, formado na UERJ e pós-graduado nos EUA, Barroso foi militante do movimento estudantil na década de 1970, integrando a Esquerda Democrática, uma espécie de frente de grupos moderados, entre eles o Partidão (PCB) e o MDB autêntico, contrários à luta armada. Chegou a ser detido por tentar imprimir jornais do seu grupo político, fez parte da reabertura do Centro Acadêmico de Direito da UERJ e foi estagiário num escritório de Miguel Seabra Fagundes – ex-governador do Rio Grande do Norte e ex-ministro da Justiça do governo Café Filho – e Eduardo Seabra Fagundes – ex-presidente da OAB.
Na década de 1980, tornou-se professor de Direito da UERJ e também ingressou na PGE/RJ. Em 1988 e 1989 fez seu mestrado em Direito Constitucional na Universidade de Yale, nos EUA, dedicando metade deste tempo a estudar também dívida externa, pois achava que Brizola ou Lula ganharia a eleição seguinte.
Em 1990 montou seu escritório de advocacia, herdando a estrutura de seu pai, mas manteve a carreira na PGE/RJ e na academia, como professor. É autor e organizador de 14 livros.
“Eu me considero, ideologicamente, muito próximo ao que eu era quando jovem. Continuo achando que os compromissos da elite intelectual, dos professores, de quem pensa construtivamente o país, deve ser prioritariamente o de assegurar igualdade de oportunidade para as pessoas no início da vida. Esta é minha ideologia”, definiu-se.
Constituição de 1988 (CF-88)
Por um lado, Barroso vê na CF-88 “um vertiginoso sucesso”: “Ela assegurou a transição bem sucedida no Brasil, de um Estado autoritário e muitas vezes violento para um Estado democrático de direito. Em segundo assegurou ao país mais de duas décadas de estabilidade institucional, tendo convivido com crises das mais diversas. Desde a destituição de um presidente até crises como a dos anões do orçamento, do painel do Senado”.
Por outro, aponta alguns defeitos: “É prolixa, é mais analítica do que deveria ser, trata de muitas matérias que poderiam ser deixadas para o processo político majoritário e, em grande medida, é corporativista (...) a polícia está lá, os cartórios estão lá, os índios, idosos, infância, adolescente, os militares, os juízes também. O sistema previdenciário, o sistema tributário, a organização de toda a administração pública. É uma Constituição atípica no cenário mundial, no sentido em que trata de coisas que, talvez, devessem ter ficado para o processo político majoritário. E qual foi a consequência disso? Mais de 60 emendas (...) Porém, o que a CF-88 tem de materialmente constitucional – a organização dos poderes, direitos fundamentais e alguns fins públicos relevantes – permaneceu intocável. O núcleo essencial é o mesmo. O que tem sido revirado é o que talvez nunca devesse ter entrado.”
Influência americana no Direito Constitucional (DC)
Para o advogado, a influência do pensamento americano, em detrimento do francês, sobre o DC brasileiro foi extremamente positiva. “Só a França ficou pra trás e agora está começando a mudar. Depois da 2º Guerra Mundial, o mundo se convenceu de que um DC normativo protegido por um Tribunal Constitucional era uma boa forma de proteger a democracia contra aventuras autoritárias, como o Fascismo na Itália e o Nazismo na Alemanha. Um tribunal que protegesse os direitos fundamentais contra as maiorias políticas. Filosoficamente essa foi a transformação. E politicamente, houve depois da 2º Guerra uma americanização da vida, para bem e para mal (...) A influência dos EUA sobre a economia, a cultura, também se projetou, em alguma medida, sobre o Direito. O mais interessante é que o mundo incorporou o modelo americano, os tribunais passaram a ser agentes de avanços sociais em muitas partes do mundo, no Brasil inclusive, mas nos EUA, ao final do século XX, houve uma onda conservadora – a partir de Nixon, consolidada com Reagan – que esvaziou a Suprema Corte. Então, curiosamente, os EUA já não praticam verdadeiramente o modelo que exportaram para o mundo”.
STF
“O Supremo passa a ganhar importância uns 10 anos depois da Constituição de 1988. Porque o Constituinte de 88, apesar de ter feito a CF-88, em certo sentido, progressista, manteve a mesma composição do STF que vinha da ditadura (...) As lideranças do Supremo eram conservadoras, não gostavam da CF-88. Houve nomeações que começaram a mudar o jogo, entre elas a do ministro Sepúlveda Pertence e Celso de Melo (...) Mas o jogo vira mesmo vira mesmo depois de 2003, quando se forma uma maioria de juízes nomeados no pós-88, juízes que já tinham compromisso com o DC transformador e que já viviam um constitucionalismo democrático e normativo.”
Mudança no sistema decisório do STF
“O processo decisório do Supremo é uma soma de votos individuais. Não há verdadeiramente um debate, construção conjunta de uma solução. Ao passo que o método deliberativo põe uma questão na mesa e as pessoas debatem antes de votarem”
Defesa da transmissão dos julgamentos
“A transmissão ao vivo e a cores no Brasil é formidável. Mudou o patamar do STF, a compreensão que o povo tem do Judiciário, não consigo imaginar nada melhor. Porém, trás problemas. Em um debate reservado as pessoas podem ir e vir de uma maneira menos inibida. Mas o que se ganha, compensa o que se perde.”
Mandato para ministro do STF?
“Eu defendi muito tempo a ideia do mandato – como ocorre nas Cortes Constitucionais europeias de maneira geral – e no debate à Constituição de 1988 sustentei essa tese. Perdemos. Prevaleceu o modelo americano da vitaliciedade, no qual o sujeito nomeado fica até os 70 anos. Pode ser problemático um juiz ficar 20, 25 anos num tribunal, mas pode não ser. Às vezes um juiz que permanece mais tempo ajuda a produzir um equilíbrio (...) E do ponto de vista prático, o tempo médio de permanência dos ministros do Supremo é 10, 12 anos (...) O mandato geraria um efeito colateral: o que um ministro faria depois de 11 anos? Voltar a advocacia? Se for, eu acho ruim. O Supremo passaria a ser um estágio de passagem na carreira (...) Eu acharia razoável, talvez, razoável, um ex-ministro voltar à tribuna como advogado no tribunal em que ele foi ministro. Não é uma ideia que eu gosto. Eu respeito quem opte por fazer isso, porque a lei permite. Não é uma crítica a quem faz. Mas eu não gostaria de ter uma advocacia repleta de ex-ministros do STF se digladiando.”
Ativismo judicial do STF
“Eu faço uma distinção teórica entre judicialização e ativismo. A judicialização no Brasil é um fenômeno que ocorre de maneira muito visível e é produto de um arranjo institucional, na medida em que se tem uma CF excessivamente abrangente. Tudo o que você pensar de relevante está na CF e, potencialmente, permite uma ação judicial. O ativismo não é produto de um arranjo institucional, não é um fato. O ativismo é uma atitude, um modo proativo e expansivo de interpretar a Constituição. O Brasil vive um momento de ampla judicialização, mas de moderado ativismo. No geral, o STF não é ativista, mas, em questões pontuais, tem sido. E é comum dizer-se que o ativismo é como colesterol: tem do bom e do ruim. O ativismo judicial do STF até aqui, ao meu ver, tem sido do bom, tem produzido certo avanço social. Decisões ativistas importantes – como as proferidas em matéria de uniões homoafetivas, de nepotismo, de fidelidade partidária – levam os princípios constitucionais a situações que não haviam sido expressamente tratadas, nem pelo constituinte, nem pelo legislador. Em matéria penal o Supremo tem tido avanços, em matéria de proteção ao consumidor, proteção aos deficientes. Mesmo na questão polêmica das cotas, o Supremo, apesar de não ter uma decisão – não suspendeu a legislação e, as vezes, não decidir é uma forma de decidir, é deixar com que a situação se consolide.”
Exame para magistratura
“Um exame nacional, anterior ao concurso que cada tribunal conduziria, diminuiria um pouco o poder de algumas oligarquias judiciárias locais. Há estados em que tudo corre bem, mas há estados onde as coisas, nesses concursos, não se passam como deveriam.”
Direito Penal
“O sistema punitivo começa na Polícia – com inquérito policial – passa pelo Ministério Público (MP) – que propõe a ação penal – e termina no Sistema Penitenciário – onde as pessoas cumprirão penas. O MP teve um salto de qualidade com a CF-88, o poder judiciário também viveu um momento de grande ascensão política e institucional. Mas a porta de entrada do sistema que é a Polícia e a porta de saída que é o Sistema Penitenciário estão muito ruins. Há uma percepção equivocada de que a Polícia é algo menor. Com isso o país tem uma polícia mal equipada, mal remunerada, mal treinada, maltratada e que, consequentemente, oferece um produto extremamente deficiente e insatisfatório. Uma Polícia que é vizinha de porta da criminalidade, que vive - com todas as ressalvas às muitas pessoas honestas que existem - problemas graves, tanto de corrupção quanto de violência. A Polícia brasileira apura menos de 10% dos homicídios, portanto o sistema punitivo vai mal porque o inquérito policial é muito ruim. É preciso dar status à Polícia, é preciso uma política de Estado que dê relevância à Polícia (...) No extremo oposto está o Sistema Penitenciário, como um lugar de pobres e negros. Geralmente, embora nem sempre, com certo traço de violência. É que os juízes e tribunais procuram qualquer filigrama jurídica para não mandar para o Sistema qualquer pessoa que não seja muito perigosa. Porque o sistema é tão degradado e tão degradante que o juiz sabe que ninguém sai do sistema penitenciário melhor do que entrou. Não serve nem como prevenção geral, nem como instrumento de ressocialização e nem tem um caráter retributivo (...). Portanto, o sistema penitenciário brasileiro é um desastre.”
Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
“Extremamente positivo. Não sei se é um controle externo, mas acho que foi o controle possível nas circunstâncias políticas em que foi instituído. E acho que ele tem servido bem ao país, embora precise saber separar o varejo da vida do que é verdadeiramente importante. O mesmo acho para o STF: tem que saber escolher o que realmente envolve grandes questões em relação aos quais é preciso passar a mensagem certa ao país”
Sobre a autonomia do CNJ para abrir processos contra os juízes: “Por exceção sim, por regra não. Acho que o CNJ deve determinar às corregedorias que cumpram seu papel adequadamente em prazos que talvez o próprio CNJ possa fixar. Acho que o CNJ não deve fazer o varejo da fiscalização da magistratura.”
Controle externo de outros segmentos
“Ninguém que exerça um poder político – e a magistratura exerce um poder político – deve estar livre de controles externos. O único “poder” que talvez possa estar fora de controles formais seja a imprensa. Porque a imprensa sofre o controle de quem liga a televisão ou de quem compra o jornal”
Caso Cesare Batistti
“Quando eu entrei na causa, depois que o Ministro Tarso Genro concedeu refúgio – já havia uma opinião pública formada: dois ministros do STF, claramente, tinham tomado posição contrária ao Cesare; a Itália tinha feito uma operação de ocupação da mídia, cuja legitimidade eu não questiono, contratou um advogado, um ex-ministro do STF, além de um outro ex-ministro daquela Corte ter, voluntariamente, ajudado a divulgar seus pontos de vista. Um embaixador circulou pelo Supremo e pelas redações. A Itália é um anunciante importante, bem como as múltiplas companhias italianas que operam no Brasil; Silvio Berlusconi transformara o Cesare Battisti em um símbolo do “acerto de contas” com os anos de chumbo. Portanto, houve uma conspiração de fatores que criaram uma versão para a história. O Cesare era uma figura menor, de um movimento político menor. É patético, para não dizer ridículo, que tenham conseguido transformá-lo nesse símbolo.”
Comissão da Verdade
É favorável: “acho que as pessoas têm o direito de saber o que aconteceu. É um direito subjetivo das pessoas e um direito do país o de conhecer sua história, com transparência, de maneira cristalina”.
Participação popular
“Quando aos mecanismos de participação direta – embora eu esteja propondo uma consulta popular – eu preciso confessar a você que eu sou relativamente cético da participação popular via plebiscito ou referendo. Eu gosto mais da participação popular via movimento social, via debate público, via redes sociais, via imprensa. Os plebiscitos são altamente manipuláveis, como fez Napoleão na França, Hitler na Alemanha – e para quem concorda – Chávez na Venezuela.”
FHC e Lula
“O Fernando Henrique e o Lula são coprotagonistas de um país novo que eu assisti na minha idade adulta. O FHC ajudou a arruma a casa e o Lula potencializou o que herdou de bom e fez outras muitas coisas novas.”
Carta Maior
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