Com o filme que estréia nesta sexta, o italiano Marco Tullio Giordana conta que quis acabar com o mito de que todo siciliano é mafioso. Encontrou na história real de um jovem que enfrenta seu pai o drama oportuno para falar de família e política
Marco Tullio Giordana tem um carinho especial por São Paulo. E isso não se deve só ao fato de que Os Cem Passos ganhou o prêmio do público na Mostra Internacional de Cinema do ano passado (2001).
Ele tem um tio querido - o Zio Alberto -, que mora "sull Giardini", nos Jardins, na Alameda Itu. O repórter diz que vai colocar a informação no texto. Giordana agradece, do outro lado da linha, em Roma: "Zio Alberto vai adorar."
Ele tem um tio querido - o Zio Alberto -, que mora "sull Giardini", nos Jardins, na Alameda Itu. O repórter diz que vai colocar a informação no texto. Giordana agradece, do outro lado da linha, em Roma: "Zio Alberto vai adorar."
A família é muito importante para Giordana. É muito importante para os italianos em geral, ele corrige. "O conceito de família é mais forte no nosso inconsciente do que o de sociedade", explica. E a família está no centro de Os Cem Passos, seu belo filme que estréia
amanhã.
Giordana já havia feito Pasolini - Um Delito Italiano, partindo do assassinato do polêmico diretor para fazer um amplo quadro sobre arte e política na Itália dos anos 1960 e 70, quando Pier-Paolo Pasolini passou como um furacão, agitando um debate cultural que até hoje repercute na vida italiana.
Em Os Cem Passos o diretor baseia-se de novo numa
história real. E de novo faz outro amplo quadro sobre a vida
política e institucional de seu país. "Fiz este filme para
acabar com a idéia de que todos os sicilianos são mafiosos",
diz Giordana.
Peppino Impastato, o protagonista de Os Cem Passos,
foi um jovem que lutou contra a corrupção e a dominação da
Máfia. Teve de brigar em casa, por causa disso. O pai tinha
ligações, até familiares, com a Máfia. Esse filme político é
também aquilo que o autor define como um "romanzo familiare".
Um romance familiar: jovem idealista enfrenta o próprio
pai em sua luta contra os poderosos. Paga com a vida por isso.
Pasolini também foi morto por suas idéias. Será que é preciso
estar disposto ao sacrifício para lutar por uma sociedade mais
justa e igualitária, por um mundo mais humano? "Não creio que
Pier-Paolo e Peppino tenham se oferecido em sacrifício, como
cordeiros de Deus. Acreditavam no que faziam e o faziam para
afirmar a vida. A perda dessas pessoas extraordinárias é uma
tragédia, mas também nos cria um problema de consciência: não
podemos permitir, se somos seres pensantes, que suas mortes
tenham sido vãs."
Até por esse compromisso de ser fiel à história real,
Giordana diz que não inventou nada na sua narrativa sobre
Peppino. "Seria muito cruel usar alguém que morreu por uma
idéia para tecer uma ficção que não servisse a outro propósito
que não à reafirmação dessa idéia", diz o diretor.
Filmes como os dele e também o projeto coletivo contra a globalização - Um Mundo Diferente É Possível - indicam que o cinema político voltou a ser forte na Itália como nos anos 1960 e 70, na época de Francesco Rosi, Giuliano Montaldo, Damiano Damiani e outros diretores? "O cinema italiano nunca esteve tão amordaçado como hoje", diz Giordana. Ele até acha que teve sorte de ter feito Os Cem Passos há dois anos. "Não estou muito seguro de que conseguiria financiamento, se fosse fazer o filme agora."
Denuncia o monopólio que ameaça não só o cinema, mas o
próprio Estado italiano. "O presidente do Conselho de Ministros
(Silvio Berlusconi) domina a máquina do Estado, o que inclui a
TV estatal, e possui a maior rede privada de comunicação do
país. Tamanha concentração de poder é o oposto do que deve ser
uma democracia."
Por isso mesmo, acha que hoje a direita não precisa mais de fuzis para exercer sua dominação. "Eles já possuem o domínio da informação." Pretende continuar fazendo filmes com o pé na realidade. "Fiz Os Cem Passos pensando nos jovens. Participei de debates com eles por toda a Itália; foi uma experiência gratificante ver a sede de informação que eles têm." Conta que escolheu o ator que faz Peppino - Luigi Lo Cascio, um estreante vindo do teatro - por seus olhos. "Expressam esperança, revolta; pode-se ler tudo neles."
O repórter lembra Nicholas Ray, para quem "o cinema é a melodia
do olhar". Certo, diz Giordana. O assunto volta ao romanzo
familiare. Agora, o repórter cita Rocco e Seus Irmãos, o
clássico de Luchino Visconti. "É um dos meus filmes preferidos,
um capolavoro (uma obra-prima)", define Giordana. Acaba de
fazer, para TV, o seu Rocco: A Melhor Juventude, título
pasoliniano, conta a história de uma família, desde os anos 1960
até a atualidade.
Estado de São Paulo
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