quarta-feira, 8 de maio de 2013

“A ideia da salvação imediata causa angústia”



Conferência da britânica Karen Armstrong abriu o Fronteiras do Pensamento de 2013.

Iuri Müller

Durante a noite de segunda-feira (6), no Salão de Atos da UFRGS, a escritora Karen Armstrong inaugurou a série de conferências do Fronteiras do Pensamento em 2013. Com diversos livros publicados no Brasil, a britânica defendeu a religião como “habilidade prática”, contou que encontrou “genialidades” em todas as religiões que estudou, e comentou assuntos que há tempos geram discussões no Brasil, como o sincretismo religioso e o crescimento das igrejas neopentecostais. No final da conferência, Armstrong ainda deixou “uma recomendação” para o papa Francisco.

Karen Armstrong nasceu na Inglaterra e foi freira por sete anos – mesmo após a saída da ordem, não deixou para trás a religião como interesse de estudo e escritura. Lecionou literatura em Londres e publicou livros sobre o judaísmo, o cristianismo e o budismo, muitos deles com grande número de exemplares vendidos mesmo fora do Reino Unido.

Além de escritora e conferencista, lidera a entidade Charter for Compassion, com o qual ganhou o prêmio Ted em 2008. Em Porto Alegre, no Salão de Atos da UFRGS quase lotado, Karen falou menos sobre a fundação das religiões do que de questões que permeiam todas as práticas da fé.
“Estudei quase todas as religiões para escrever os meus livros e encontrei genialidades em todas elas”, afirmou Karen. 

“Os seres humanos, que precisam criar significados, criaram religiões, assim como obras de arte”. Armstrong relacionou a religião e a fé com a política, a cultura, a vida em sociedade. Ressaltou que, embora as transformações sejam constantes, hoje talvez vivamos mudanças ainda mais drásticas. As igrejas estão vazias na Europa, um novo modelo de crença aparece no Brasil e na América Latina, o novo papa da Igreja Católica é argentino, a internet busca fazer do mundo um cenário interligado – “já não podemos viver sem os outros, agora temos como nos informar e interferir positivamente”, disse Karen.

Para a britânica, ainda que sejam muitas as religiões e várias as culturas com que elas se conectam, há uma Regra de Ouro que poderia levar, em todos os casos, a uma espécie de “iluminação”. E a Regra passaria pela compaixão, pela rendição do ego, pela capacidade se colocar no lugar do outro. Karen Armstrong insistiu em conceber a religião não como uma forma de conhecimento meramente teórica, mas como uma habilidade prática: “é como nadar ou dirigir, não se pode aprender a nadar sem entrar numa piscina, assim como é impossível saber dirigir sem nunca ter entrado num carro”. A religião estaria intimamente relacionada com o esforço prático, com a dedicação diária, ainda que novas formas da fé façam parte do que chamou de “sociedades instantâneas”.
“O conhecimento religioso é uma habilidade prática, é como nadar ou dirigir”, comparou a escritora britânica. 
A menção ao caso das igrejas neopentecostais – assim como as questões ligadas ao ateísmo, ao sincretismo, às mudanças na estrutura da Igreja Católica – a bem da verdade só surgiu no espaço reservado para o debate, quando o público encaminhou perguntas à organização. E foi justamente neste momento que as ideias de Armstrong pareceram mais surpreendentes. Para ela, sobre o ateísmo “há que se permitir que se tenha suas próprias convicções”, e que o ateísmo dito “radical” perderá espaço justamente por ser “intolerante e agressivo”. Karen admitiu que o crescimento do número de ateus em vários países passa por posturas equivocadas das religiões, que iniciaram, por exemplo, a ler as escrituras de forma literal e sem deixar espaço para contestações e novas interpretações.

“A ideia da salvação imediata causa angústia entre as pessoas. Elas buscam certezas, mas a vida é incerta, como a religião. O que a religião pode de fato fazer é ajudar a viver em paz com as dores e as tristezas”, resumiu Karen Armstrong a respeito dos que pregam as transformações abruptas através da fé.

Quanto aos rumos da Igreja Católica, elogiou o estilo de vida simples do papa Francisco, mas ressaltou que é preciso pedir desculpas com urgência pelas falhas do passado e do presente. Por último, deixou uma recomendação ao pontífice: “que deixe Roma e lidere a igreja daqui (da América Latina).” Armstrong opinou que “os palácios de Roma, a herança de Roma” hoje parecem deslocados dos desafios que chegam à Igreja.

A próxima conferência do Fronteiras do Pensamento está marcada para o dia 27 de maio, e deve reunir Marina Silva e Fernando Gabeira no debate intitulado “O Brasil e a questão ambiental”.

Sul 21

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